Dor de cabeça é a principal queixa apontada na segunda edição do estudo "A Dor no Cotidiano", citada por 78% dos entrevistados. Em seguida aparecem dor nas costas, com 63%, e dores musculares, com 61%.

O estudo, realizado pelo Ibope Conecta em parceria com o laboratório Pfizer, entrevistou 1.500 pessoas acima de 16 anos, pela internet, e tem margem de erro de três pontos percentuais.

Mas, no caso específico dos maiores de 60 anos de idade, as dores crônicas (aquelas com duração superior a três meses) lideram as reclamações, segundo a médica geriatra Karol Bezerra Thé, professora de pós-graduação em dor do Hospital Israelita Albert Einstein.

"Por mais que doenças crônicas de saúde, que geram dor, acompanhem o processo natural do envelhecimento, a dor não é consequência natural dele", diz a médica, que integra o Comitê de Dor no Idoso da Sociedade Brasileira do Estudo da Dor (SBED) e a Comissão de Dor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). E acrescenta: “A dor no idoso jamais deve ser considerada normal”.

Em entrevista ao Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, ela fala sobre as principais causas da dor crônica em pessoas com mais de 60 anos de idade e explica como enfrentá-la para não perder qualidade de vida.

dor A médica geriatra Karol Bezerra Thé, professora de pós-graduação em dor do Hospital Israelita Albert Einstein; crédito: divulgação

A dor é sempre sintoma de uma doença ou pode ser consequência natural do envelhecimento?

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) demonstram que quase 30% da população mundial sofre com dor crônica. No Brasil, esse número pode chegar a quase 60 milhões de pessoas. Deste total, cerca de 50% já apresentam algum tipo de comprometimento de suas atividades rotineiras, como no trabalho, no sono ou no lazer, o que afeta consideravelmente a qualidade de vida.

Diferentemente da dor aguda, que é um sinal de alerta do corpo de que algo pode estar errado, a dor é considerada crônica quando tem duração superior a três meses, podendo ser consequência de uma lesão previamente tratada ou fazer parte do curso de uma doença crônica.

A dor, quando crônica, deixa de ser um sintoma e passa a ser uma doença.

A dor crônica afeta mais as pessoas com 60 anos ou mais de idade?

A dor crônica não escolhe idade, sexo ou raça. São os idosos, porém, os mais acometidos. Isso ocorre em consequência do processo de envelhecimento, o que gera aumento de doenças associadas à dor, como as relacionadas às doenças musculares e ósseas.

A dor no idoso jamais deve ser considerada normal e, por mais que doenças crônicas de saúde, que geram dor, acompanhem o processo natural do envelhecimento, a dor não é consequência natural dele.

“A artrose representa hoje a principal causa de incapacidade no mundo”

Quais as dores mais comuns na terceira idade?

Entre as maiores causas de dor na terceira idade, a artrose representa hoje a principal razão de incapacidade no mundo. É uma doença degenerativa que pode acometer todas as articulações, principalmente mãos, coluna e joelhos.

Outros agentes são a osteoporose e suas consequentes fraturas; as doenças vasculares periféricas (estreitamento ou obstrução de artérias ou veias prejudicando o fluxo normal de sangue para os membros); a neuropatia do diabetes (alterações dos nervos periféricos, principalmente nos membros inferiores, causada pelo diabetes); a neuropatia da infecção do herpes-zóster (alteração de um nervo acometido pelo vírus do herpes na pele); a dor pós-AVC e as lombalgias (dores nas costas) de origem muscular.

O câncer é na atualidade causa muito comum de dor nessa população.

Há diferença entre homens e mulheres?

Apesar de as causas de dor não terem diferenças entre gênero, as mulheres se queixam mais de dor do que o homem. Isso se deve a vários fatores, entre eles as atividades ocupacionais executadas e acumuladas ao longo da vida e que se mantêm na terceira idade e pela maior busca pelos serviços de saúde para diagnóstico e tratamento da dor.

Isso sugere que, mesmo o homem tendo o mesmo número de condições dolorosas que as mulheres, eles se queixam menos e buscam menos ajuda.

“A sobrecarga física e o estresse emocional podem ser fatores desencadeadores de dor em qualquer idade”

Estresse é um desencadeador de dores?

A sobrecarga física e o estresse emocional podem ser fatores desencadeadores de dor em qualquer idade. Um idoso que tem desgaste articular na coluna e joelhos e sofre a perda de um ente querido, por exemplo, pode passar a ter mais dor durante o período de luto. Se esse mesmo idoso, pela dor, passa a se locomover menos e fica isolado socialmente, também passará a ter mais dor, pela inatividade física.

Existe uma dor menos tolerada ou mais incapacitante?

A dor é subjetiva e pessoal. Uma dor gerada pela mesma causa pode ser expressada de maneira diferente por pessoas diferentes. Isso porque o paciente que tem dor crônica pode apresentar dimensões emocionais e sociais que interferem na percepção do quadro doloroso, e isso varia de indivíduo para indivíduo. Entender as particularidades de cada um e considerar todos os aspectos envolvidos será fundamental para o sucesso do tratamento.

Como a dor interfere no cotidiano do idoso?

A dificuldade de locomoção, pela dor, causa incapacidades, o que prejudica a realização de atividades da vida diária, como caminhar, utilizar transporte público e até realizar atividades mais básicas, como se vestir. Esse prejuízo na independência gera sentimentos de inutilidade e muitos idosos acreditam que podem se tornar um fardo para a família. Assim, a dor ainda pode ser causa de tristeza, depressão e isolamento social. Quem sofre de dor crônica tem prejuízo significativo da qualidade de vida.

“A maioria dos estudos aponta que a tolerância à dor é reduzida nos idosos”

A idade diminui a tolerância à dor?

A maioria dos estudos aponta que a tolerância à dor é reduzida nos idosos. Isso se deve ao fato de que o envelhecimento exerce importantes alterações funcionais e morfológicas em estruturas envolvidas no processamento e modulação da dor. No envelhecimento ocorre também redução de substâncias químicas no cérebro, chamadas de neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina e opióides endógenos, que são importantes na regulação da dor.

Existe alguma forma de prevenção contra as dores crônicas?

A prática de atividade física, combater o ganho de peso e a obesidade, controlar doenças crônicas, como diabetes, osteoporose, hipertensão arterial e colesterol alto, entre outras, são medidas importantes para prevenir o aparecimento de dor crônica.

Ter uma vida social saudável, com amigos e familiares, e identificar e tratar alterações emocionais, como estados de depressão e ansiedade, também previnem o aparecimento de dor crônica e auxiliam no tratamento.

“É possível enfrentar, obter alívio e acabar com o sofrimento gerado pela dor crônica”

O alívio rápido é a melhor opção? Qual o risco do uso indiscriminado de analgésicos?

O uso de analgésicos anti-inflamatórios, medicamentos mais prescritos e utilizados no país, deve ser limitado a casos de dor aguda e ser feito por curto tempo para não gerar efeitos colaterais, principalmente nos idosos.

Como é feito o tratamento?

No geral, o tratamento de dor crônica deve ser medicamentoso, preferencialmente prescrito por especialistas na área de dor, associado a terapias não medicamentosas, como psicoterapia, fisioterapia, nutrição, técnicas de terapia corporal e acupuntura.

Já existem evidências de melhora na dor crônica com terapias complementares, como ioga, dança e exercícios de relaxamento. A introdução de qualquer terapia não medicamentosa deve ser devidamente avaliada caso a caso.

Qual a orientação para quem está sofrendo com dores crônicas?

Acreditar que ter dor não é normal ou não se acostumar a sentir dor é o primeiro passo para se fortalecer na busca e acesso por profissionais da área.

A dor crônica tem tratamento, desde que olhada de forma integral, com a atenção voltada a todos os aspectos biopsicossociais do paciente.

É possível enfrentar, obter alívio e acabar com o sofrimento gerado pela dor crônica.

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