A reforma da Previdência bate à porta. E ainda causa dúvidas. As questões não respondidas, por sua vez, levam à ansiedade. Isso porque aqueles que já planejaram ou planejam o que fazer na fase mais adiantada da maturidade passam a se perguntar se, com as mudanças, seus planos ainda se sustentam.
Mas não é possível generalizar o tamanho do impacto das alterações legais. “A parcela da população brasileira que corresponde aos 50+ é muito heterogênea”, justifica Tânia Martins, psicóloga que trabalha com vulnerabilidade e gestão de cuidados. “Tudo depende muito do estilo de vida da pessoa e do que ela projeta para a sua aposentadoria.”
Notícias, matérias e entrevistas sobre tudo o que você precisa saber. Clique aqui e participe do grupo de Whatsapp do Instituto de Longevidade!
Assim, pensemos nas necessidades e nos anseios de um executivo que possui um rendimento anual considerável e deverá passar por um processo de transição pós-carreira, assessorado pela companhia em que atua. Na visão de Tânia, seu desgaste em relação a mudanças previdenciárias governamentais é distinto em relação ao baque sofrido por um trabalhador que conta os meses para começar a receber o benefício via INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
“Atendo muitos executivos cujo problema é justamente ter de parar de trabalhar”, afirma a psicóloga. “Nesse sentido, um aumento do número de anos que faltam para a aposentadoria soa até como uma espécie de alívio.”
Profissionais liberais, por sua vez, percebem a questão sob o viés da transição do negócio. Em geral, a preocupação de um comerciante que esteja à frente de seu empreendimento não está muito relacionada a idades mínimas ou tempo de contribuição para a aposentadoria, mas sim ao nível de preparo dos herdeiros para assumir o comando da empreitada.
Construção do envelhecimento
Todas essas diferentes aproximações de uma mesma transformação socioeconômica, no entanto, passam por uma mesma variável – o que Tânia chama de construção do envelhecimento. Trata-se de algo que envolve, além das finanças, a motivação de cada um.
“Há quem de fato pretenda parar de vez com a atividade profissional para ter, enfim, mais tempo para se dedicar a um hobby pelo qual seja apaixonado”, exemplifica. “Mas há outras possibilidades, como continuar trabalhando com uma carga horária reduzida.”
Dessa forma, entender melhor os próprios desejos e necessidades torna-se fator fundamental para reduzir ansiedades – até mesmo as que surgem em decorrência de transformações em um contexto mais amplo e, portanto, pouco mutáveis em decorrência das vontades mais específicas de cada indivíduo; caso da reforma da Previdência.
Wilson Pedro, sociólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos que investiga temas referentes ao envelhecimento ativo, reforça que essas expectativas quanto ao futuro estão intrinsecamente ligadas à identidade de cada um.
“É o que construímos de nós mesmos ao longo da vida”, diz. “Nesse contexto, o trabalho geralmente assume uma centralidade. Diante desse quadro, é preciso se perguntar: será que nós temos planos para a velhice?”
Projeto mais amplo
Pedro elenca uma série de aspectos que precisam integrar a percepção de qualidade de vida no envelhecimento: saúde, assistência social, moradia, transporte.
“A aposentadoria tem que ser um projeto mais amplo”, afirma. “A Reforma da Previdência não deve ser apenas de natureza econômica, jurídica e política, tem que contemplar também nossas necessidades humanas.”
Tânia Martins corrobora essa visão. “É preciso pensar o processo em termos de suporte socioeducativo aos indivíduos que têm de enfrentá-lo”, diz.
O monstro da reforma da Previdência pode não ser tão feio
Enquanto essa ajuda não vem, há medidas a ser tomadas pelos que planejam a aposentadoria em um cenário de alguma incerteza. A psicóloga lembra, por exemplo, que convém compreender bem os termos gerais propostos pelo governo, para não se desesperar sem necessidade. O conhecimento mais aprofundado do que se apresenta pode mostrar que o monstro não é tão feio quanto parece.
Por fim, é preciso ser resiliente e adequar da melhor maneira possível os planos futuros à realidade que se apresenta. Afinal, a reforma da Previdência ainda bate à porta. Mas, mesmo que você não queira abri-la, ela acabará entrando do mesmo jeito em sua vida.