O que acontece que algumas pessoas se arrependem amargamente de terem-se aposentado, enquanto outras se sentem tranquilas, felizes e seguras com o passo dado?

Um bom planejamento é suficiente? Não, não é. Pelo simples fato de que nenhum de nós tem contrato de garantia com o futuro. Nunca vou me esquecer de um senhor que participou ativamente de um programa de preparo para a aposentadoria numa das empresas em que trabalhei no Rio Grande do Sul.

Ao término do programa estava radiante: havia feito um novo design de sua vida pessoal e de trabalho. Animou-se a casar de novo e usar de parte de seu dinheiro para investir numa loja de serviços elétricos, aproveitando seus conhecimentos na área e somando-os às capacidades administrativas da mulher com quem já vivia e admirava.

Já haviam conversado a respeito e ela já havia se manifestado muito favoravelmente. Ele é quem hesitava, uma vez que havia planejado sua aposentadoria como ‘um longo tempo de lazer e descanso, sem horário, sem patrão, sem preocupação’. Quando fez as contas como devia, mudou de ideia, rapidinho.

A mulher amada esteve presente à cerimônia de encerramento e o casal rodopiou pelo salão de baile com toda alegria. Foi naquela noite que ele a pediu em casamento. Os filhos de ambos haveriam de concordar. Quase todos só estavam esperando que ele se decidisse.

Um ano e poucos meses depois, a empresa chamou – como já constava do programa – os aposentados daquela turma, para dar sequência à fase de apoio e reorientação. Há empresas que reconhecem que nem todos já se acertaram nas novas condições e os programas podem se estender por mais alguns poucos anos após os empregados terem-se desligado.

Tomei um susto ao vê-lo adentrar a sala onde já estávamos dando início à reciclagem. Desgrenhado e muitos quilos mais magro, roupas descuidadas, era a imagem da desolação e da infelicidade: sua querida esposa lhe fora roubada por um câncer avassalador. Oito meses depois de toda aquela felicidade, abatido e desorientado, sentou-se conosco e desabafou seu infortúnio: - Se eu soubesse que seria isso, jamais teria me afastado da empresa. Agora eu não sou nada.

Ficamos absolutamente consternados. A empresa não o readmitiu e nem ele tinha cabeça para traçar planos de futuro tão cedo. O baque havia disso forte demais.

Já com uma senhora, daquela mesma turma, pessoa muito agitada, que passar a maior parte do tempo reclamando que nunca imaginara que teria que trabalhar depois de se aposentar, que não era justo, que já havia trabalhado demais na vida e por aí afora, também estava muitos quilos mais magra. Mas não por infortúnio e, sim, por opção.

De uma vaga ideia que surgiu em nossas discussões sobre renda e ocupação, tipos de personalidade e perfis de afinidades, brotou um novo negócio que já ia de vento em popa: uma oficina de consertos de roupas. Repaginação estilística! Disse ela toda entusiasmada.

Dentre seus reclamos, o bordão: - Não sei o que fazer, só sei fazer o que eu faço aqui nessa empresa e agora não me querem mais! Os efeitos se fizeram sentir algumas semanas depois dela haver estado conosco no programa de preparação. No que trabalhara antes de entrar para aquela empresa? – Ah, eu ajudava minha mãe com a costura. Ainda tenho lá, num cantinho da minha casa, as máquinas, as tesouras, até as linhas...

Refez seu curso de corte e costura e recuperou seu gosto por mexer com tecidos, agora sob uma nova ótica, a da sustentabilidade: - Reforma não se encaixa em reuso?! Cantarolava, enquanto relatava suas novas experiências de trabalho: - Agora eu sou até sustentável! Com a aposentadoria e mais esse dinheirinho que já entra, estou pagando minha passagem para Portugal, ver a família que só conheci quando criança. Não tenho mais filho, filha em casa, não tenho pai nem mãe para depender de mim, marido já se foi com outra, graças a Deus, que aquele homem era um estorvo mesmo, agora eu sou mais eu. Aprendi a viver comigo mesma e nunca mais vou trabalhar para os outros. Trabalho para mim mesma!

Pois então, se um bom planejamento não garante nada, ao menos com uma reflexão bem feita e um orçamento bem calculado, olhando para dentro de si própria, uma pessoa prestes a se aposentar ou recém-aposentada, descobre possibilidades perdidas, experiências anteriormente desmerecidas e se enxerga em novas situações nem mesmo imaginadas.

O fato é: aposentadoria acontece na vida de todo mundo que veio trabalhando como empregado e que, inclusive, contribuiu para isso. Ao menos se espera que a empresa tenha recolhido, igualmente a sua parte!

O fenômeno é: não temos nenhum controle sobre a vida, nem presente nem futura. Agora, que as atitudes fazem toda a diferença, isso é fato!

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