Todos os dias, somos surpreendidos com invenções e avanços tecnológicos que, há alguns anos, eram inimagináveis. Assistir TV, ler e-mails, buscar informações e se comunicar com pessoas em qualquer parte do mundo usando apenas um pequeno aparelho comandado pelo toque de um dos dedos? Quem poderia imaginar isso nos idos de 1960 ou 1970? Só mesmo no desenho animado dos Jetsons.

Chegamos ao século 21 e, embora ainda não usemos carros voadores como os do desenho, é inquestionável que evoluímos muito no quesito tecnologia, o que nos trouxe a necessidade de uma adaptação contínua. Nas indústrias, as linhas de produção passam por constantes remodelagens, à medida que uma nova tecnologia chega ao mercado. Restaurantes, bares, lojas e empresas, todos se veem obrigados a redesenhar seus processos.

E hoje, frente a tudo o que já alcançamos e imaginando o que ainda está por vir, surgem alguns questionamentos que merecem certa atenção, principalmente de quem trabalha na área da Educação: estamos preparando nossos alunos corretamente para o mundo que vão encontrar quando saírem da escola? O que estamos ensinando é compatível com as profissões que existirão no futuro? Formaremos profissionais completos? Quais serão essas profissões?


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Para responder a todos esses questionamentos, surge a Educação 4.0, uma forma de ensino baseada no conceito de Learning by Doing (aprender fazendo), desenvolvida para atender às necessidades da Indústria 4.0 (quarta revolução industrial) e de um cenário no qual as tecnologias estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano. O termo 4.0 faz menção ao conceito e uso de internet inteligente que afirma que os conteúdos destinados aos internautas serão cada vez mais personalizados e interativos.

“É uma resposta que temos hoje à quarta revolução industrial”, explica o professor de robótica e coordenador de projetos Renato Alves de Oliveira. “O mundo mudou e a gente também tem que mudar. A gente não pode seguir mais esse modelo de aula tradicional onde o professor domina e ensina somente”, avalia.

Renato reclama que o modelo de ensino que utilizamos hoje foi desenvolvido há 200 anos. “A gente precisa mudar a característica da escola. Ainda estamos muito ligados à primeira revolução industrial. Se a gente for pensar, a gente funciona como se fosse uma fábrica. O aluno entra na escola, marca o ponto, senta na sala, lancha, escuta o professor, sai da escola e acabou. E isso se repete todos os dias”, destaca o coordenador.

Educação 4.0 para atender à Indústria 4.0

Pouco a pouco, as máquinas estão deixando de fazer somente o trabalho manual e mecânico e passam a substituir o trabalho intelectual até então realizado apenas por homens e mulheres. É o que adverte a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV/EBAPE, Claudia Costin.

“Não preciso contar, por exemplo, que médicos radiologistas vão perder muito o que fazer porque já há algoritmos que analisam imagens com muito mais competência que o melhor médico radiologista”, alerta Claudia. E acrescenta: “No ramo do Direito, você já tem tudo digitalizado e com algoritmos olhando para qual é a jurisprudência mais adequada pra cada caso. Então teremos que pensar como vamos preparar crianças e jovens para esse novo cenário”.

Eduardo concorda, mas reclama dos enormes entraves para que a Educação 4.0 chegue efetivamente às salas de aula. De acordo com o professor, o primeiro deles é a o acesso à internet. “Tecnologicamente, somos três anos atrasados. Podemos ver isso nitidamente se viajarmos para os Estados Unidos ou Europa. Eles estão muito à frente de nós. Hoje, nas escolas dos Estados Unidos, os alunos têm acesso a impressoras 3D, algo que lá custa 300 dólares e aqui chega a custar 12 mil reais. É um investimento muito alto”, reclama Eduardo. Quando perguntado quanto tempo ele estima que levaremos para chegar ao nível desses países, ele se mostra bem pessimista: “ainda demoraremos uns 10 anos”.

"O mundo não vai esperar a gente"

Claudia aponta um segundo entrave, que são as competências. Para a diretora, não temos sequer as competências do século 20 asseguradas para nossas crianças e jovens, dado o fato que o acesso ao ensino fundamental foi universalizado muito recentemente. “Nossos professores não foram preparados pra desenvolver sequer as competências necessárias para o século 20 e agora estamos dizendo que a escola tem que se preparar também para o século 21. O mundo não vai esperar a gente, vamos ter que fazer as duas coisas ao mesmo tempo”, alerta.

Para a diretora, computadores e algoritmos ainda terão certa dificuldade para substituir o trabalho humano porque nós conseguimos resolver problemas colaborativamente usando a criatividade. E esta é a competência que precisa ser potencializada para o século 21: a colaboração. “Precisamos ensinar nossas crianças e jovens, desde a primeira idade, a resolverem problemas de forma colaborativa”.

Competências para o futuro

“Quando a gente estuda a vida de Leonardo da Vinci, esse gênio da humanidade, a gente vê que ele tinha uma combinação de três coisas que a escola e a vida deveriam ensinar para as pessoas, que são a curiosidade, a criatividade e a imaginação. É interessante porque são três atributos essencialmente humanos. A máquina não imagina, a máquina não é curiosa. Ela aprende porque algum humano a programou para aprender. Mas aqui estamos falando de gente, então se a gente quer preparar as pessoas para o mundo do futuro, é fundamental desenvolver curiosidade nas crianças”, avalia Claudia.

“Quando a gente tem consciência que nosso tempo é limitado, é mais fácil organizar a marca que a gente quer deixar no mundo na forma de projetos, que legado queremos deixar para a humanidade”

Ela destaca que a criança possui uma curiosidade natural, e lamenta que muitas vezes essa curiosidade é destruída pelo processo de ensino das escolas. Para Claudia, precisamos de um processo de ensino muito mais experimental que faça a criança ser curiosa e a sonhar com seus projetos. “As pessoas só avançam quando dão sentido à vida e quando têm projetos. E a gente nunca deve desistir de ter projetos, inclusive na terceira idade. Aliás, até mais na terceira idade” recomenda. “Quando a gente tem consciência que nosso tempo é limitado, é mais fácil organizar a marca que a gente quer deixar no mundo na forma de projetos, que legado queremos deixar para a humanidade”.

Claudia ainda chama a atenção para um outro ponto que também precisa ser trabalhado em crianças e adolescentes, que são as chamadas competências socioemocionais. “É importante lembrar que a escola sempre trabalhou um pouco de competência socioemocional quando ensinava persistência e garra, mas não havia intencionalidade no processo de ensino”, adverte a diretora. Para o século 21, Claudia afirma que será preciso mais intencionalidade nesse processo, por exemplo, ensinar crianças e jovens a persistirem, mesmo ante dificuldades. “Não é que tem que ter uma aula de persistência, mas todos os professores têm que ser preparados a ensinar alunos a não desistir.

Educação 4.0 para os 50+

Claudia Costin conta que foi a única pessoa da área de Educação a participar da Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho, grupo formado por 27 especialistas mundiais que durante 18 meses discutiram qual seria o futuro do trabalho. O objetivo era discutir o que vai acontecer com o mundo frente à Revolução Industrial 4.0. E, nesse contexto, discutir a educação 4.0. Mas qual a ligação disso com o público de mais idade?

“Percebemos que devemos criar uma sociedade ativa ao longo da vida, em que as pessoas tenham direito a uma vida ativa, e isso, com certeza, no mundo incerto e ambíguo que a gente vive, inclui a ideia de que uma pessoa pode estar constantemente aprendendo e até se reinventando, porque postos de trabalho em ondas sucessivas vão sendo extintos com os avanços da automação e da robotização, da inteligência artificial, enquanto outros vão sendo criados”, destaca a diretora.

Ela explica que esses novos postos de trabalho vão demandar novas competências e que todas as pessoas precisam ter o direito de se recapacitar num patamar superior, para conseguir competências mais complexas.

“É verdade que, com a idade, algumas dificuldades aparecem no processo de aprendizagem, mas elas não ditam o destino das pessoas”, defende Claudia. “Alguém pode, com esforço adicional, aprender e adquirir novas competências”.

A diretora também cita alguns exemplos de pessoas com 50, 60 e até 70 anos que decidem aprender outras línguas. “A gente sabe que é mais fácil aprender uma língua até os 10 anos de idade, mas nenhuma pesquisa diz que é impossível aprender quando você é mais velho. Então, a resiliência é uma competência socioemocional importante, inclusive para os mais velhos, para poderem vencer algumas dificuldades que eles têm de início e terem sucesso nas empreitadas educacionais que eles desenvolvem”, conclui.

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