Administrador de empresas com especialização em negócios empresariais, pós-graduação em marketing e 38 anos de experiência, José Guilherme Lobarinhas foi surpreendido, em 2014, com a demissão na indústria em que atuava como diretor comercial.

Aos 66 anos, pediu a aposentadoria para ter uma renda, mas não pretendia deixar o mercado. Em um ano, enviou 680 currículos, sem receber nenhuma resposta. “Fiquei surpreso. Parecia que estava mandando meu currículo para Marte”, afirma.

Até que, em fevereiro deste ano, enquanto navegava pelo LinkedIn (rede social voltada para relacionamentos profissionais), um anúncio chamou sua atenção: uma empresa afirmava ter vagas para pessoas com mais de 60 anos e não pedia currículo, mas um texto que contasse a história de vida do candidato.

Lobarinhas diz que achou o anúncio interessante, mas não se inscreveu imediatamente. “Eles citavam que se inspiravam no filme ‘Um Senhor Estagiário’, então primeiro fui assisti-lo. Eu me empolguei, comecei a pensar em recomeçar, enfrentar novos mares a navegar e, no dia seguinte, fiz o texto e me candidatei.”

O administrador recebeu um e-mail que o convidava a participar de uma dinâmica de grupos no dia seguinte, um sábado.

A empresa em questão era a agência de publicidade DMV Comunicação, especializada em shopping centers. A ideia de abrir uma vaga para um estagiário experiente começou mesmo com o filme em que Robert De Niro encara uma vaga de iniciante numa startup. Sergio Molina, sócio-diretor da agência, ficou sensibilizado com o longa e decidiu fazer o teste em sua empresa.

O administrador de empresas chegou a enviar 680 currículos para retornar ao mercado de trabalho; Crédito: Na Lata

“A agência não fez nenhuma exigência de formação ou experiência profissional. Apenas estávamos buscando alguém comunicativo e bem humorado, com pensamento flexível, sem preconceitos e, o mais importante, que tivesse uma boa experiência de vida e relacionamento com pessoas mais jovens. Estes foram os nossos pré-requisitos”, afirma Aline Cadore, gerente de relacionamento da DMV.

“É o momento de levantar a bandeira em prol dos profissionais com mais de 60 anos”

O objetivo principal era levar para a agência um novo olhar e não transformar o estagiário em mais um publicitário. “Nós queremos ter alguém que possa ver as campanhas pelo prisma do consumidor. Por isso a experiência de vida é válida: alguém que avalie o nosso trabalho com um olhar diferente do da gente.”

Outro ponto levado em consideração foi o do preconceito. “É o momento de levantar a bandeira em prol dos profissionais com mais de 60 anos. O que mais vemos são pessoas dessa idade falando que não aguentam mais ficar em casa. Eles apresentam boas entregas e oferecem contribuições na vida profissional”, diz Cadore.

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O interesse pela vaga da DMV confirma essa avaliação: foram mais de 1.000 candidatos à vaga, e 130 mil compartilhamentos do anúncio. Dos interessados, 34 foram selecionados em uma primeira dinâmica de grupo. Na segunda, foram eleitos 8 finalistas. O nome de Lobarinhas foi revelado após uma votação em que todos os funcionários da agência puderam participar.

“Eu estava sentado, numa sala com os outros 7 finalistas, olhando para o infinito, quando o sócio-diretor Sergio Molina veio fazer uma apresentação e dizer que já tinha o nome do escolhido. Ouvi algo como ‘Guilherme’, mas estava absorto, não acreditei, e disse: ‘Eu?’”, conta o estagiário sênior.

José Guilherme Lobarinhas, estagiário sênior da agência DMV, no escritório em São Paulo; Crédito: Na Lata

Segundo ele, todos os finalistas eram fortes concorrentes. “Fiquei emocionado, fiz um discurso e estou aqui desde 1º de março.”

O estágio, que tem a duração de seis meses, com possibilidade de efetivação, prevê um rodízio por todas as áreas da agência. “Estou muito entusiasmado e feliz. Só conhecia o trabalho de uma agência por fora, renasci e estou aprendendo e ensinando”, diz ele, que já passou pelo departamento de produção e agora está no atendimento – área que mais se aproxima de sua trajetória profissional.

“Estou até pensando em fazer uma faculdade de publicidade. Por que não?” O maior desafio de Lobarinhas é mostrar à equipe jovem que é possível ser produtivo e fazer pausas para um café ou um bate-papo de troca de ideias com outras áreas. “A gente tem de saber ponderar corrida com descanso. Também procuro entender a filosofia e o objeto de trabalho de cada um para poder dar palpites. Tudo sempre com bom humor e respeito.”

Desde que foi selecionado, a vida de Lobarinhas deu uma guinada. Morador de Porto Feliz, no interior de São Paulo, ele passou a viver com um dos dois filhos em São Paulo, de segunda a sexta-feira. Aos finais de semana, volta para casa, para matar a saudade da mulher. “No início do ano, estava entrando por um caminho de angústias, porque estava preocupado em sair da ociosidade. Renasci ao me tornar aprendiz e estou muito feliz.”

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