Pergunte a uma das torcidas mais exigentes do país, a do São Paulo Futebol Clube, o que ela pensa sobre Muricy Ramalho. Basta dizer que, mesmo quando ele já não treinava mais o time, o coro em sua exaltação – “É Muricy, é Muricy” – permaneceu por muito tempo durante os jogos da equipe, sobretudo quando ela não ia bem das pernas. Não é para menos: o currículo vencedor de Ramalho, tanto como atleta – foi meia do próprio tricolor paulista na década de 1970 – quanto como técnico, fala por si. E, na diversidade de suas qualificações, surge agora mais uma, a de comentarista de futebol.

Sua competência nas observações já estendeu sua participação à frente das câmeras e dos microfones para os programas da Globo, canal aberto parceiro do SporTV. O Globo Esporte, exibido na Globo às 12h30, se tornou um de seus espaços principais de atuação.

A interrupção de sua jornada como técnico não foi motivada por maus resultados no comando de times de futebol. Aliás, vale aqui relembrar algumas das principais conquistas de Muricy nessa função: campeão brasileiro por três anos consecutivos com o São Paulo – 2006, 2007 e 2008 –, um feito nunca alcançado no país por qualquer outro clube, e ganhador da tão sonhada Copa Libertadores da América com o Santos em 2011, título que o alvinegro praiano não conquistava havia 48 anos (desde 1963).

“O trabalho de comentarista é muito menos estressante”

O que o levou a trocar a prancheta dos vestiários pelo desempenho na telinha foram, na verdade, alguns problemas de saúde. “O trabalho de comentarista é muito menos estressante”, afirma. “Claro que também há um estresse, ainda mais para mim que não sou jornalista. Mas é muito menor. Depois que comecei a comentar jogos de futebol, nunca mais tive nada. Como técnico, tive pedras nos rins, diverticulite, arritmia cardíaca, várias coisas.”

Embora, como Muricy mesmo diz, não tenha a formação acadêmica em jornalismo, o trabalho em si, segundo ele, tem sido uma escola e tanto. E aí entra outra de suas características: a vontade de adquirir novos conhecimentos sempre.

“O que mais estou gostando nessa nova fase é de aprender”

“Eu tenho aprendido demais”, conta. “O que mais estou gostando nessa nova fase é de aprender. É uma coisa totalmente diferente e que eu nunca fiz nem nunca imaginei fazer. Estou aprendendo, por exemplo, a olhar para a câmera e falar ao mesmo tempo, que é o mais difícil. Aprendo com as pessoas que são do ramo, e isso me deixa ainda mais feliz. Eu fiz a minha vida toda no futebol, e fazer televisão com pessoas da televisão tem sido muito importante para mim.”

Essa importância está relacionada ao que ele diz considerar o caminho do envelhecimento saudável: “Você tem que se reinventar sempre”. “Chega certa idade em que você tem que voltar a estudar”, diz. “É o que acontece agora no meu caso, como comentarista. É importante demais se atualizar.”

Sobre a profissão de técnico, existem hoje grandes discussões se alguns “medalhões” de uma geração mais velha estariam ultrapassados e deveriam dar lugar aos mais novos, que estão despontando agora na carreira. Muricy não fica em cima do muro em relação ao tema.

“Percebo que os mais jovens não levam vantagem, ao contrário”, afirma. “Eles estudam e se especializam, o que é importante, mas não têm experiência para as tomadas de decisão. Isso você não aprende na faculdade, aprende na vida, na prática, algo que os mais novos não têm. Essa é a grande diferença do técnico jovem para o experiente: este pode voltar a estudar e ainda conta com a própria vivência. Há técnicos jovens competentes e há técnicos mais velhos com bastante competência, e estes são os que mais dão certo agora.”

“A bola pune”

A opinião firme não é de estranhar. Muricy também é conhecido por dizer o que pensa – e agir conforme suas próprias crenças. Foi assim que, em 2010, recusou um convite para treinar a Seleção Brasileira porque queria cumprir seu acordo contratual com o Fluminense. A postura foi considerada como exemplo de comportamento ético.

“A experiência tem esse lado bom, o de lidar melhor com as pessoas, entendê-las”

Mas há também quem veja em Muricy um cara “marrento” e mal-humorado, que nem sempre respondia com flores às perguntas dos repórteres quando era técnico. “A gente vai mudando com a idade”, ele diz. “Consegue ter mais paciência com as coisas. A gente é muito louco quando jovem, muito acelerado. A experiência tem esse lado bom, o de lidar melhor com as pessoas, entendê-las mais e ter mais paciência com elas. E saber mais da vida.”

Uma de suas frases que se tornaram mais famosas é “A bola pune”, em relação ao que acontece quando se cometem erros estratégicos no futebol. Perguntado se, em alguma medida, a idade também pune, ele responde: “Ela pode punir um pouco em termos de saúde, mas isso é normal, é natural da gente; a questão é se preparar para enfrentar esses problemas”.

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