Timidez é uma palavra que a modelo de 74 anos, Vera França, usou pouco em seus anos de vida. Aos quatro, viu a foto de uma mulher nua e pensou: “Também quero”. Tornou-se modelo viva na Escola de Belas Artes de Salvador aos 19 anos. Aos 23, em busca de mais oportunidades de trabalho na área, desembarcou em São Paulo – e participou de sua primeira sessão de nu artístico no mesmo dia. “Eu tiro a roupa para vestir os artistas.”

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Como se interessou pelo nu?
Quando eu era pequena, com quatro anos, vi o retrato da Chiquita Bacana. Era uma morena bonita deitada em uma pedra. Minha família olhando: meu pai, minha mãe, meus primos. Eles não queriam me deixar ver, dizendo que era uma mulher nua. Pensei: “Um dia eu quero imitar essa moça”.

“[Na primeira vez que posei], suei de nervoso. Foi direto: daqui [aponta para o pescoço] até embaixo, no dedão”

E quando você se tornou modelo viva?
Quando chegou o circo Garcia em Salvador, fui atrás de emprego. Disse para o dono que queria ser dançarina de cancan. Eu estava grávida, nem sabia. Tive um aborto espontâneo. E perdi o lugar. Quando voltei, ele disse que tinha uma moça no meu lugar.

E me apresentou para outro circo. Tinha um papel para fazer Tanagra, a menor mulher do mundo. Fiz um biquini caprichado. Tinha um aquário cheio de peixes, que ficavam passeando pra lá e pra cá. Quem passasse pela sala de espelho mágico me via dentro do aquário.

Um dia, um estudante de engenharia foi assistir. E perguntou: “É um jogo de luz?”. Respondi: “Tem gente aí?” Ele: “Não, estou sozinho, você quer ser modelo da Escola de Belas Artes?” Eu disse: “Sim, é o que eu mais quero. É coisa séria? Se for malandragem, eu não quero”.

Como foi a seleção?
Tirei a roupa e pus o avental. Subi em uma mesa grande. Mandaram eu ficar de pé, sentada, deitada e com a mão assim [coloca a mão na base da cabeça]. Depois disseram: “Você começa amanhã”. Larguei o circo.

E o primeiro dia?
Colocaram um banquinho no meio da sala. Fiz uma pose em pé. Começou a me dar uma suadeira. Suei de nervoso. Foi direto: daqui [aponta para o pescoço] até embaixo, no dedão.

Eu me sentia vestida quando estava posando, mas tinha alunos que ficavam com vergonha”

A sra. ficava tímida?
Levei uns 15 dias posando todo dia para perder a timidez. Era de manhã e à tarde. Terminava às 11h, almoçava, tomava outro banho, começava às 14h. Posei dos 19 aos 23 anos na Bahia. Continuei posando quando fiquei grávida [aos 19 anos]. Com 23 anos, mudei para São Paulo. No dia que cheguei, posei.

Qual é a diferença entre quando começou e hoje?
Agora eu tenho mais experiência. Aguento bem minhas poses. Mesmo idosa e com problema no joelho, tenho mais experiência e me sinto mais confortável.

Antigamente, fazia as poses e não aguentava muito. Ficava vários dias numa pose. Me doía, eu cansava. Eu me sentia vestida quando estava posando, mas tinha alunos que ficavam com vergonha.

 A modelo Vera França, no apartamento da filha Jaqueline, em São Paulo. Crédito: Na Lata

Houve preconceito?
De vez em quando ainda tem. No ano passado, fui posar no MAM [Museu de Arte Moderna de São Paulo] e uma funcionária perguntou: “Você não tem vergonha?”. Respondi: “Eu não, estou aqui nua porque não tenho vergonha”.

É mais fácil eu ficar com vergonha de tirar a roupa na sua frente do que tirar a roupa na vista dos alunos. Porque os alunos eu faço com todo prazer. Tenho varizes, mas não estou nem aí.

Antes tinha mais preconceito. Hoje em dia, tem senhoras que dizem: “Arruma para mim, quero ser modelo também”. Antes era tão escondido, na sala fechada, até a família dos alunos tinha vergonha.

“Tem gente que não entende, acha que a gente é prostituta, mulher de programa”’

E suas filhas?
A Jaqueline aceitou normal. A Shirley nunca falou que eu era modelo. Porque tem gente que não entende, acha que a gente é prostituta, mulher de programa.

Se a sra. pudesse ter hoje outra atividade, o que seria?
Teria estudado para uma boa profissão.

O que é uma boa profissão?
Uma que eu gostaria de ter feito é moda. Gosto de moda e de costura. Andei fazendo cursos, mas não levei adiante. Paro tudo para posar.

“Gosto da minha profissão; no dia em que eu parar de uma vez, vou ter até uma depressão”

A sra. gosta de posar?

Gosto da minha profissão. No dia em que eu parar de uma vez, vou ter até uma depressão.

Qual é a melhor parte?
A liberdade.

E a pior?
Ganhar pouco.

Como se imagina em 5 anos?
Vixe, será que estou viva? Espero que não esteja com a cabeça ruim. Porque tenho medo de ter esquecimento.

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