Quinze em cada cem pessoas têm transtornos de personalidade. Os dados, relativos a uma pesquisa epidemiológica norte-americana, lançam luz a algo que poucos conhecem bem e com o qual muitos sofrem. Mas o que são eles?
Primeiro, é preciso explicar o que é personalidade. São características individuais que correspondem a um padrão persistente de emoções, pensamentos e comportamentos.
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Quando esses traços são inflexíveis ou mal-adaptativos, são considerados transtornos. Causam prejuízo e provocam sofrimento à pessoa e até a quem está em seu círculo de relacionamentos, sendo considerados estados alterados da saúde – nem sempre ligados a doenças.
“São deficiências na forma do ‘eu’ ou self, que se divide nos conceitos de identidade e autodirecionamento e no desenvolvimento de habilidades interpessoais”, explica a psiquiatra Vivian Hirsch. “Começam a se tornar evidentes durante o final da adolescência ou início da idade adulta, embora, às vezes, os sinais sejam aparentes mais cedo”, diz a psicóloga Beatriz Moura.
Idade, inflexibilidade e sofrimento são critérios para o diagnóstico. Além disso, é necessário observar se o padrão é persistente e se afeta ao menos duas das seguintes áreas: cognição (aquisição de conhecimento), afetividade (capacidade individual de reagir facilmente aos sentimentos e emoções), funcionamento interpessoal (interação com o outro) ou controle de impulsos (capacidade de resistir a impulsos).
Também não é algo que possa ser explicado apenas como uma manifestação ou consequência de outro transtorno mental, como o bipolar, o depressivo ou o de ansiedade, que podem surgir em algum momento da vida. Os transtornos de personalidade, por sua vez, são padrões persistentes.
Não pode ainda ser atribuído aos efeitos de drogas e medicamentos ou de outras condições médicas, a exemplo de traumatismo craniano.
Saiba quais são os transtornos de personalidade
Os transtornos da personalidade são divididos em três grupos, com base em semelhanças descritivas, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, uma publicação da Associação Americana de Psiquiatria, utilizada por clínicos e pesquisadores em todo o mundo.
Do grupo A fazem parte os transtornos da personalidade paranoide, esquizoide e esquizotípica. As pessoas podem parecer esquisitas ou excêntricas.
No B constam os tipos antissocial, borderline, histriônica e narcisista. Dramáticos, emotivos e erráticos são adjetivos direcionados a pessoas com esses transtornos.
Os transtornos da personalidade evitativa, dependente e obsessivo-compulsiva integram o grupo C. E têm características ansiosas ou relacionadas a medo.
E psicopatia onde entra? “É um termo que traz muita confusão e está presente no imaginário popular, porém não se encontra na descrição dos transtornos mentais”, responde a psicóloga Bete Monteiro, do Instituto SER MAIS. “O que consta no DSM-5 é o transtorno de personalidade antissocial, caracterizado por um padrão de desrespeito e violação do direito do outro.”
Esquizoide
Apresenta um distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão emocional em contextos interpessoais. Tem, no mínimo, quatro das características abaixo:
- Não deseja ou não gosta de relacionamentos íntimos;
- Quase sempre opta por atividades solitárias;
- Manifesta pouco ou nenhum interesse em experiências sexuais com parceiro;
- Tem prazer em poucas ou nenhuma atividade;
- Não tem amigos íntimos ou confidentes que não sejam parentes em primeiro grau;
- É indiferente a elogios ou críticas;
- Demonstra frieza emocional, distanciamento ou embotamento afetivo (falta de sensibilidade afetiva).
Paranoide
Apresenta padrão de desconfiança e suspeitas em relação aos outros, de modo que as intenções alheias são frequentemente interpretadas como maldosas. Tem, no mínimo, quatro das características abaixo:
- Suspeita, sem fundamento suficiente, ser vítima de exploração, maus-tratos ou enganação;
- Tem dúvidas sem fundamento sobre a lealdade ou a confiabilidade de amigos e colegas;
- Tem dificuldade em confiar em outras pessoas, por medo de que as informações possam ser usadas contra si;
- Interpreta significados ocultos, de caráter humilhante ou ameaçador, em observações e acontecimentos benignos;
- Guarda rancores persistentes;
- Vê ataques a seu caráter ou reputação onde mais ninguém percebe e reage com raiva ou contra-ataca;
- Suspeita frequentemente, sem justificativas, da fidelidade do parceiro.
Esquizotípica
Apresenta déficits sociais e interpessoais, com desconforto agudo e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou perceptivas de comportamento excêntrico. Tem ao menos cinco das características abaixo:
- Apresenta ideias de referência, em que a sensação de que incidentes casuais e acontecimentos externos têm um significado particular e incomum, específico para a pessoa;
- Tem crenças bizarras ou pensamento mágico que influenciam o comportamento e não estão de acordo com as normas da subcultura do indivíduo (com o meio em que a pessoa vive);
- Tem experiências perceptivas incomuns, incluindo ilusões somáticas (como sensação de sufocamento, tonturas, náuseas, manchas e sensações táteis);
- Tem pensamento e discurso bizarros – vagos, circunstanciais, metafóricos e estereotipados;
- Apresenta desconfiança ou ideação paranoide (suspeita ou acredita que está sendo assediado, perseguido ou injustamente tratado);
- Demonstra afeto inadequado ou constrito, com expressões de emoções reduzidas ou inexpressivas;
- Tem aparência ou comportamento esquisito, peculiar ou excêntrico;
- Não tem amigos íntimos ou confidentes, exceto parentes em primeiro grau;
- Demonstra ansiedade social excessiva, que não diminui com a familiaridade e tende a estar associada com temores paranoides, em vez de julgamentos negativos acerca de si próprio.
Antissocial
Já chamado de psicopatia e de transtorno de personalidade dissocial, esse padrão se caracteriza pelo desrespeito e pela violação dos direitos alheios. Apresenta, no mínimo, três das características abaixo:
- Incapacidade de adaptar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção;
- Propensão a enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar outras pessoas para obter vantagens pessoais ou prazer;
- Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro;
- Irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas;
- Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia;
- Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras;
- Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém.
Histriônica
Apresenta emotividade excessiva e busca atenção, em um padrão que se manifesta na adolescência ou no início da idade adulta. Tem, ao menos, cinco dos critérios abaixo:
- Sente desconforto em situações nas quais não é o centro das atenções;
- Tem comportamento inadequado, sexualmente provocante ou sedutor na interação com os outros;
- Tem mudanças rápidas e superficialidade na expressão das emoções;
- Utiliza constantemente a aparência física para chamar a atenção;
- Recorre a um discurso vibrante, que busca convencer, mas sem detalhes objetivos;
- Apresenta dramaticidade, teatralidade e expressão emocional exagerada;
- É sugestionável e facilmente influenciável pelos outros ou pelas circunstâncias;
- Tende a considerar os relacionamentos mais íntimos do que o que são na realidade.
Borderline
É uma pessoa instável nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e nos afetos, além de ter impulsividade acentuada. Apresenta ao menos cinco das características abaixo:
- Faz esforço frenético para evitar abandono real ou imaginário;
- Tem padrões de relacionamento interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização (não há meio-termo entre bom e ruim);
- Apresenta perturbação da identidade, na qual há instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou do sentimento de self;
- Demonstra impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa, como gastos financeiros, sexo, abuso de substância, direção imprudente e comer compulsivo;
- Tem recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante;
- Apresenta instabilidade afetiva decorrente de acentuada instabilidade do humor – episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade, que duram algumas horas ou, raramente, mais de alguns dias;
- Tem sentimentos crônicos de vazio;
- Sente raiva inadequada e intensa ou dificuldade de controlá-la;
- Tem ideação paranoide transitória (suspeita ou acredita que está sendo assediado, perseguido ou injustamente tratado) e relacionada ao estresse ou a graves sintomas dissociativos, como amnésia, flashbacks, entorpecimento e despersonalização/desrealização.
Narcisista
Tem necessidade de admiração e falta de empatia, apresentando ao menos cinco dos critérios abaixo:
- Tem sentimento grandioso sobre a própria importância;
- Preocupa-se com fantasias de ilimitado sucesso, poder, inteligência, beleza ou amor ideal;
- Acredita ser uma pessoa especial e única, que só é compreendida ou que deve se associar a pessoas ou instituições especiais ou de condições elevadas;
- Exige admiração excessiva;
- Demonstra presunção, tendo expectativas irracionais de receber tratamento especialmente favorável ou obediência automática às próprias expectativas;
- É um indivíduo explorador em relacionamentos interpessoais, tirando vantagem de outros para atingir seus próprios objetivos;
- Não tem empatia, relutando em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as necessidades alheias;
- Sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo da inveja alheia;
- Tem comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes.
Evitativa
Tem padrão de inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade à avaliação negativa, apresentando ao menos quatro dos critérios abaixo:
- Evita atividades ocupacionais que envolvam contato interpessoal significativo por medo de críticas, desaprovação ou rejeição;
- Reluta a envolver-se, a menos que tenha certeza da estima da pessoa;
- É reservado em relacionamentos íntimos, em razão do medo de passar vergonha ou ser ridicularizado;
- Preocupa-se com críticas ou rejeição em situações sociais;
- Tem inibição em novas situações interpessoais, em virtude de sentimentos de inadequação;
- Enxerga-se sem aptidão social, sem atrativos pessoais ou inferior;
- É extraordinariamente reticente em assumir riscos pessoais ou envolver-se em quaisquer novas atividades, pois poderiam provocar vergonha.
Obsessiva-compulsiva
Preocupa-se com organização, perfeccionismo e controle mental e interpessoal, à custa de flexibilidade, abertura e eficiência, apresentando ao menos quatro dos critérios abaixo:
- Preocupa-se tanto com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou horários, que o alvo principal da atividade é perdido;
- É perfeccionista a ponto de isso interferir na conclusão das tarefas;
- Tem devoção ao trabalho e à produtividade, em detrimento de atividades de lazer e amizades (não explicada por razões de natureza econômica);
- Demonstra excessiva conscienciosidade, escrúpulos e inflexibilidade em moralidade, ética ou valores (não explicado por identificação cultural ou religiosa);
- É incapaz de desfazer-se de objetos usados ou inúteis, mesmo quando não têm valor sentimental;
- Reluta em delegar tarefas ou trabalhar em conjunto com outras pessoas, a menos que elas se submetam a seu modo exato de fazer as coisas;
- Adota um estilo de vida miserável quanto a gastos pessoais e com outras pessoas, pois o dinheiro é visto como algo que deve ser reservado a catástrofes futuras;
- Apresenta rigidez e teimosia excessivas.
Dependente
Tem necessidade de ser uma pessoa cuidada, que leva a um comportamento submisso e aderente e a temores de separação, apresentando ao menos cinco dos critérios abaixo:
- Tem dificuldade em tomar decisões no dia a dia sem uma quantidade excessiva de conselhos e ratificação da parte de outras pessoas;
- Sente necessidade de que outros assumam responsabilidade pelas principais áreas da sua vida;
- Mostra dificuldade em expressar discordância de outros, por medo de perder apoio ou aprovação;
- Demonstra dificuldade em iniciar projetos ou fazer coisas por conta própria por falta de autoconfiança (não por falta de energia);
- Vai a extremos para obter apoio e carinho, a ponto de oferecer-se para fazer coisas desagradáveis;
- Sente desconforto ou desamparo quando só, em razão de temores exagerados de ser incapaz de cuidar de si;
- Busca urgentemente um novo relacionamento como fonte de carinho e amparo, quando um relacionamento íntimo é rompido;
- Tem preocupação irrealista com temores de abandono.
Tratamentos para transtornos de personalidade
Atualmente, segundo a psiquiatra, “predominam as propostas de intervenções psicossociais”. “Estudos sobre tratamentos para transtornos de personalidade específicos são poucos, e são raros os estudos controlados.”
Em termos de medicamentos, os focos são, principalmente, a agressividade, a impulsividade e a instabilidade afetiva, de acordo com a médica. As duas primeiras “têm sido tratadas com o uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina, lítio e estabilizadores do humor. Neurolépticos atípicos também são preconizados controle da impulsividade agressiva e da raiva”, diz Vivian.