Na estante da sala, uma infinidade de bibelôs colecionados em viagens ou presenteados por amigos. No armário do quarto, a peça de roupa que foi dada por uma pessoa especial – não serve mais, mas está lá. Na gaveta da cozinha, a toalha feita por alguém da família que já se foi – e que para não correr o risco de manchar, nunca vai para a mesa. 

Não é preciso ter mais de 50 anos de idade para reconhecer nas descrições acima um padrão comum a muita gente: guardar coisas que tenham significado especial. Lembram pessoas queridas, momentos marcantes, experiências significativas.  

Em muitos casos, junto ao processo de envelhecimento, o indivíduo vivencia situações relacionadas à própria personalidade. Uma delas é o apego excessivo a pertences que já não tem mais utilidade.  

“É natural que pessoas mais vividas guardem coisas que funcionem como recordações, que as ajudem a contar a história de sua vida” 

Mas até que ponto acumular objetos é apenas uma forma de guardar lembranças? Quem responde é psicóloga Renata Bueno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP): “É natural que pessoas mais vividas guardem coisas que funcionem como recordações, que as ajudem a contar a história de sua vida”. 

Ela explica que desde que não interfira no seu bem-estar isso não pode ser tratado como patologia porque é uma maneira de preservar sua memória. “Tem mais a ver com a personalidade de cada indivíduo e isso deve ser respeitado”, diz.  

De acordo com ela, a Síndrome de Diógenes – desordem caracterizada por sintomas como acúmulo compulsivo de lixo ou animais – só pode ser diagnosticada quando as pessoas reúnem tantas coisas em suas casas, que perdem o espaço necessário para a higiene própria, dormir ou se alimentar. “No caso de acumulação compulsiva, há isolamento social, diminuição da mobilidade e interferência nas atividades da vida diária, como tomar banho, dormir, comer e limpar”, afirma.   

“Pessoas com mais de 60 anos tendem a ser mais metódicas e têm dificuldades em descartar coisas” 

A personal organizer Luara Faria é especialista em organização de residências e conta que descartar pode ser um processo difícil. Não raro, diz ela, é preciso atuar acompanhada de psicólogo para conseguir realizar o trabalho. “Pessoas com mais de 60 anos tendem a ser mais metódicas e têm dificuldades em descartar coisas”, avalia. 

Para ajudar nesse processo – e descartar o velho que perdeu significado para dar espaço ao novo –, ela desenvolveu técnicas voltadas para esse público. Não só para começar a jogar fora alguns pertences, mas também para organizar melhor o ambiente.  

O primeiro passo é fazer um inventário de tudo que há na casa. Ao catalogar as coisas, fica mais fácil demonstrar o que é realmente descartável.  

Depois, a especialista recomenda uma categorização. Ao agrupar as coisas num mesmo setor, o acesso fica facilitado. “No caso de fotografias, por exemplo, separo tudo em álbuns por datas”, explica.   

Luara destaca que é essencial poder mexer no que se tem e saber onde está. “Tudo deve estar acessível para evitar acidentes”, diz, reforçando que, embora seja o terceiro passo, esse talvez seja o mais importante.   

Só aí haverá mais clareza do que é descartável e do que tem que ficar em casa. E, nesse processo, ter em mente uma frase atribuída ao poeta inglês William Shakespeare: “Guardar algo que pudesse recordar você seria admitir que eu pudesse te esquecer”. 

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