O novo balanço sobre o sarampo divulgado pelo Ministério da Saúde na última quarta-feira (28) mostra que 2.331 casos da doença foram contabilizados em 12 estados brasileiros nos últimos três meses. Uma morte por sarampo já foi confirmada em São Paulo e outra segue em investigação em Pernambuco.

Este foi o primeiro caso fatal no estado desde 1997. No país, o último óbito por sarampo ocorreu há 20 anos. Diante do quadro, o Ministério da Saúde anunciou o envio de 1,6 milhão de doses extras da vacina a todos os estados. O foco é imunizar crianças com idade entre seis meses e um ano. 


Só quem participa do grupo de Whatsapp do Instituto de Longevidade recebe os melhores conteúdos informativos. Clique aqui e faça parte!


Para entender melhor sobre a crise que aos poucos se espalha pelo país, o portal do Instituto de Longevidade foi conversar com o infectologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ) Alberto Chebabo. 

Veja abaixo a entrevista com o especialista sobre sarampo

1) Por que estamos passando por essa epidemia agora?

A principal causa é a baixa cobertura vacinal. Temos um número baixo de pessoas com imunidade ao sarampo, principalmente nessa faixa etária que é muito jovem. E o vírus do sarampo possui uma facilidade de transmissão muito grande, então qualquer redução de cobertura faz com que se possa ter a reintrodução do vírus.

2) Mas isso não está acontecendo só no Brasil, certo?

Essa baixa cobertura vacinal não é um fenômeno só do Brasil, mas do mundo inteiro. A gente teve a introdução do vírus no ano passado pela fronteira com a Venezuela, pela dificuldade que eles têm de vacinar sua população. Também tivemos casos vindos de outros países da Europa e dos Estados Unidos. Até no oriente há pessoas com sarampo. Então a gente não sabe se esse surto de São Paulo veio mesmo da Venezuela. Aparentemente, parece que é um vírus que veio de Israel. Como você tem uma movimentação grande de pessoas muito rapidamente hoje em dia, a entrada de alguém com sarampo é muito fácil e rápida.

3) Como acontece a transmissão do vírus?

A transmissão do sarampo é feita por via aérea, e já começa a acontecer alguns dias antes de aparecerem os sintomas. Qualquer pessoa que esteja com sarampo pode transmitir por via aérea. E é um vírus bastante infeccioso, com uma taxa de ataque em torno de 95%, ou seja, se uma pessoa com sarampo entra numa sala com outras 10 pessoas suscetíveis, nove dessas pessoas vão ter sarampo. É um vírus com uma facilidade de transmissão muito grande, por ser aérea.

sarampo

Crédito: Wilson Dias / ABr

4) As campanhas vacinais têm focado em crianças e adultos até 39 anos. Por qual motivo?

Pessoas acima de 39 anos viveram a infância numa fase de ampla vacinação, numa época em que se vacinou bastante, com a erradicação da doença devido a várias campanhas de vacinação. Essa faixa etária [acima dos 40 anos] certamente foi vacinada na infância. Já as pessoas mais jovens, com menos de 30 anos, tiveram uma vacinação menor, ou podem não ter se vacinado adequadamente, ou recebido doses menores do que as recomendadas, porque já era uma época que não tinha tanta circulação do vírus selvagem.

5) Num estágio inicial, pode o sarampo pode ser confundido com outras doenças e isso levar a um agravamento do caso?

O que acontece é que alguns médicos mais novos não viram o sarampo, então têm uma dificuldade maior de identificar. Mas o sarampo é uma doença muito fácil de ser diagnosticada, porque ela causa um quadro muito típico, com muita tosse, muita secreção, olhos vermelhos e manchas avermelhadas no corpo. É muito difícil confundir o sarampo com outras doenças. A gravidade não está no fato de o médico não reconhecer a doença, mas porque é uma doença que pode evoluir de forma mais grave, principalmente em crianças mais novas ou em pacientes que têm imunidade baixa.

6) Existe alguma idade em que o sarampo é mais nocivo?

Crianças abaixo de dois anos de idade têm um risco maior de contaminação e de mortalidade. Quanto mais nova a criança, maior é o risco. E em adultos que estejam fazendo algum tratamento que reduza a imunidade, como tratamento de câncer, usando algum imunossupressor. Alguma pessoa esplenectomizada, que não tenha o baço, um dos órgãos que ajuda na questão da imunidade. Essas pessoas podem ter uma evolução da doença de forma mais grave, com complicações que levem a uma internação hospitalar e até a óbito. Que foi o caso desse paciente que morreu recentemente em São Paulo.

7) Então o fator que pode levar à morte seria a queda na imunidade?

As pessoas com imunidade reduzida têm o risco maior de complicações e de vir a óbito. Além das crianças abaixo de dois anos.

8) Quais são as principais complicações?

O sarampo complica com pneumonia, com otite, pode dar uma doença sistêmica e até uma meningite em alguns casos. Essas complicações são graves.

"É a morte de uma pessoa por uma doença completamente prevenível por vacina. Mostra que a doença está fora de controle em São Paulo e que está se disseminando"

9) O fato de São Paulo ter registrado a primeira morte por sarampo acende uma luz vermelha ou isso pode ser visto como um caso isolado?

Acho que acende, sim. É a morte de uma pessoa por uma doença completamente prevenível por vacina. Mostra que a doença está fora de controle em São Paulo e que está se disseminando. A vacina é bastante eficaz, mas as pessoas precisam se vacinar. E o problema maior é que algumas pessoas que têm essa baixa imunidade não podem se vacinar justamente por ser uma vacina de vírus vivo atenuada. A proteção que essas pessoas têm é o que a gente chama de proteção de rebanho. Elas estão protegidas quando boa parte da população está vacinada, o que evita a circulação do vírus e aí elas não vão ter contato com o vírus. A partir do momento que eu tenho, como aconteceu agora em São Paulo, um surto, uma circulação grande do vírus, além das pessoas não vacinadas, os maiores prejudicados são essas pessoas que têm alguma alteração de imunidade que contraindica a vacinação. Acende uma luz vermelha sim, porque isso pode acontecer com outros pacientes, outras pessoas em São Paulo enquanto não conseguirem controlar esse surto.

10) A gente pode considerar que o governo está fazendo todo o possível ou o senhor identifica alguma política que ainda poderia ser adotada neste momento de crise?

Bom, agora está fazendo, né? Neste momento sim, fazendo campanha, vacinando as pessoas, fazendo busca ativa de casos e de contactantes. O sarampo é uma doença muito contagiosa. A partir do momento que você tem um surto, o controle é algo difícil, que demora, não é uma coisa rápida. Apesar de toda campanha, a gente vai ter ainda que conviver alguns meses com a doença até que você consiga controlar adequadamente. E ainda há o risco de disseminar a doença para outros estados, outras regiões do país, caso a cobertura vacinal dessas regiões seja inferior a 95%, que é a ideal para evitar a disseminação do sarampo.

11) De tudo o que já foi noticiado e informado sobre a atual crise, há algum ponto que mereça especial atenção e que ainda não tenha sido falado ou que mereça ser reforçado?

As pessoas precisam se vacinar, sempre vale repetir isso, recomendando a vacinação. Seguir as recomendações da Secretaria de Saúde e do Ministério da Saúde, porque essa é a única forma que temos para realmente conseguir controlar e combater esse surto que está acontecendo agora. Outro ponto é alertar para os boatos e informações falsas que circulam pelas redes, o que prejudica muito a própria campanha de vacinação.

Compartilhe com seus amigos