Era quase meio dia e estava faminta. Eu e o relógio estávamos nos encarando há pelo menos 15 minutos e me preparava para sair e dar uma pausa após uma longa manhã de trabalho. Foi quando minha colega me chamou e disse: “você tem que ver essa história”. Apontando para a tela do computador, ela me mostrou um site de notícias da cidade de Jacareí, interior de São Paulo, que contava a história de uma das melhores pessoas que eu já conheci: seu Manoel.

O que tornava a história dele extraordinária era a sua idade: 112 anos. A matéria trazia algumas fotos, dentre elas, uma de um senhor de chapéu, com uma camisa semiaberta, barba por fazer, sentado próximo a uma pequena mesa que continha um bolo de aniversário e duas garrafas de tubaína. Na legenda da foto: “Para comemorar o aniversário de 112 anos, a presidente da Câmara de Jacareí trouxe um bolo para Sr. Manoel”.

Com a produção a todo vapor de uma série de documentários sobre a longevidade, até então eu já havia conversado com algumas dezenas de idosos, mas nenhum com mais de 100 anos. Naquele mesmo dia entramos em contato com a filha do seu Manoel, a Rosilda, e marcamos o dia e a hora para ver de perto o homem centenário e certamente ouvir as suas muitas histórias.

O centenário

Manoel Dionísio da Silva, nasceu em 15 de outubro de 1905 na cidade de Palmeira dos Índios, interior do estado de Alagoas. É o que diz a sua já surrada carteira de identidade. Antes mesmo de ligarmos as câmeras e os microfones, ele logo se adiantou “sou um homem de muita fé, dona. A senhora tem fé?”, me perguntou enquanto apertava o terço que estava pendurado no pescoço. Respondi que sim, enquanto ajudava meu cinegrafista com as questões técnicas.

O lugar onde estávamos era simples. O bairro não tinha asfalto e ficava a poucos metros de uma rodovia. O terreno onde ficava a casa do seu Manoel alertava cuidados urgentes e naquele primeiro momento ele não nos convidara para entrar. Então, foi à beira da estrada, em frente à sua moradia, que eu sentada em um tronco de árvore e ele em uma cadeira, que provavelmente já tivera sido descartada por alguém, nos conhecíamos pela primeira vez.


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“Eu vim pra cá (Jacareí) porque não queria ficar no canto onde meu pai está enterrado em Alagoas. Então, eu tive que revirar o mundo. Trabalhei de tanto serviço que nem sei, dona. Vivia no mato. Depois fui para usina, “estradaria”, pedreira, cortei cana, lenha, fui carroceiro. Sempre fui batalhador de guerra e até hoje sou homem pra lutar com guerra”, conta.

Achei curioso que em sua fala as palavras “guerra”, “batalha” “luta”, “força” eram frequentemente citadas. Mas queria mesmo saber seus segredos para uma vida de longevidade. O que comia, como era seu estilo de vida, se era feliz, se praticava exercícios. Mas para minha surpresa, seu Manoel estava longe de cumprir os requisitos de uma vida saudável de uma sociedade moderna e bem informada. Tinha acabado de montar seu cachimbo e esperava o término de nossa entrevista para então, ver a vida passar.

As mandiocas e a longevidade

Por algumas horas fiquei ali ouvindo as experiências daquele homem que falava alto, firme e soltava inesperadas gargalhadas enquanto recordava seus muitos feitos. Conheci seus netos e duas de suas filhas. Ao todo eram mais de 10 pessoas morando em uma casa de 3 cômodos mais um “puxadinho” onde seu Manoel dormia. No final da entrevista, me chamou para conhecer a sua plantação de mandioca. ‘’É daqui que a gente come, dona. É assim que eu sempre sustentei a minha família”.

Lá do meio do terreiro, soltou um grito para que sua filha trouxesse seu facão e antes mesmo de ser atendido agarrou fortemente um pé de mandioca e começou, com toda a técnica de alguém que tinha perfeita noção e conhecimento do que estava fazendo, a puxá-lo. “Essa aqui é mandioca boa, dona. Quando vai pra panela não fica dura”. Me disse isso enquanto cortava as madiocas de uma grande raiz que acabara de desenterrar e colocava dentro de um saco plástico. “Pode levar, dona. Essa aqui é pra você”. Sorri e agradeci o gesto. Nos despedimos e eu e meu cinegrafista partimos.

Cheguei em casa naquele dia empolgadissíma. Fui logo tagarelando para meu marido as incríveis histórias e curiosidades que tinha ouvido durante aquela tarde, contadas por alguém que vivera por mais de 11 décadas.

Para o jantar daquela noite tivemos um ensopado de mandiocas. Seu Manoel tinha razão, elas eram moles e fáceis de cozinhar. Entre uma colherada e outra me vinha à mente frases e palavras soltas. “Gerra. Luta. Batalha. Força”. O ensopado realmente estava delicioso, mas não me caiu bem. Emocionada, olhei para o meu marido e disse: “esse homem nos deu tudo o que ele poderia dar e provavelmente é o que sempre fez, até hoje”.

A partir dali, longevidade para mim ganhou novos significados.


Clique abaixo para assistir a um trecho da entrevista com seu Manoel.

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