Wilson Jacob Filho, 63, professor titular de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos criadores, em 1979, do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas, que hoje ele dirige. Desde que se engajou nas pesquisas da especialidade, em 1976, após estagiar em um asilo de idosos, seu principal objetivo tem sido promover o envelhecimento saudável, e não a busca da juventude eterna.

Muitos programas de promoção da saúde no envelhecimento foram criados desde então no Serviço de Geriatria, complementando o atendimento clínico e as pesquisas. Reunidos, em 2014, eles deram lugar ao Programa GeroSaúde, que agrupou todas as iniciativas e se transformou numa grande rede de ações destinadas a quem tem mais de 60 anos. A ideia é que os atendidos levem o conhecimento adquirido nas palestras e outras atividades adiante. "Os programas visam capacitar os idosos participantes a exercerem o poder de multiplicadores desses conhecimentos", explica.

Para ele, "é importante haver uma mudança de paradigma na formação dos cuidadores, para centrar na autonomia dos pacientes". O perfil do profissional de saúde também tem que mudar, segundo o geriatra. "Ele deve conhecer melhor todas as alterações possíveis no funcionamento do organismo, de uma maneira mais holística."

Leia os principais trechos de sua entrevista:

O Gerosaúde nasceu da junção de vários programas de promoção de saúde no envelhecimento do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas, que antes funcionavam isoladamente. Por que a decisão pela união?

As ações promotoras de saúde são interativas e cooperativas. Realizá-las de forma conjunta amplia o espectro de possibilidades de adesão e reduz os custos do programa.

Quais estão sendo as vantagens dessa nova estrutura?

Tanto os participantes idosos como os profissionais puderam compreender melhor a magnitude das ações capazes de promover o envelhecimento saudável e, com isso, indicar o melhor caminho e a programação adequada, conforme as expectativas e as aptidões de cada voluntário. Com isso, a possibilidade de satisfação torna-se mais provável.

É possível dar exemplos dos primeiros resultados mais significativos?

O Jornal do GAMIA, previamente organizado e editado pelos egressos desse programa, ampliou seu elenco de colaboradores, que passaram a editar o Jornal GeroSaúde, envolvendo maior diversidade de opiniões e de tarefas cooperadas. O mesmo fenômeno estendeu-se aos bazares, ao ciclo de palestras e às festas tradicionais (juninas, fim de ano etc.).

O programa conseguiu, por exemplo, transformar uma área praticamente inútil do HC em um espaço ecológico, onde os idosos praticam jardinagem e educam os alunos de uma EMEI nas atividades de conservação ambiental e de cuidados com as plantas. Com isso, o idoso passa a ter mais protagonismo.

O Gerolab (Laboratório de Fisiopatologia no Envelhecimento), ambiente de pesquisa da disciplina de Geriatria da FMUSP, tornou-se um "biobanco", que registra dados e materiais biológicos para auxiliar uma rede de pesquisas interdisciplinares. Que avanços já foi possível obter com essas pesquisas?

Estudando as amostras de tecidos doadas pelos familiares após a morte e durante a autopsia dessas pessoas, pudemos entender melhor os mecanismos do envelhecimento cerebral normal e das fases iniciais e evolutivas das principais doenças que acometem o ser humano com o avançar da idade.

Desde sua criação, em 2003, mais de 3.000 encéfalos foram doados ao biobanco por familiares de indivíduos idosos submetidos à autópsia no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital. Todos os casos são avaliados utilizando um protocolo rigoroso, com o objetivo de traçar o perfil clínico e anatomopatológico dos indivíduos.  Essa amostra heterogênea e valiosa já serviu de base para diversos estudos científicos no Brasil e no exterior.

Um exemplo é um estudo que concluiu que as alterações histopatológicas [nos tecidos] precoces da doença de Alzheimer ocorrem em áreas diferentes das que se imaginava anteriormente.

Que metas o sr. espera conseguir atingir?

Poder atuar com maior precocidade para prevenir o início das doenças e promover as ações necessárias para ampliar a possibilidade de envelhecer com saúde. Para que isso aconteça, é preciso atuar nos fatores de risco: fumo, obesidade etc.

Também é importante haver uma mudança de paradigma na formação dos cuidadores, para centrar na autonomia dos pacientes, sem inibir a capacidade do idoso de fazer suas próprias coisas.

“Temos idosos com muito mais conhecimento das suas necessidades e possibilidades”

 O XX Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, do qual o sr. participou no início de junho deste ano, abordou o tema "Como estamos envelhecendo: o indivíduo, a sociedade e o Brasil". De maneira geral, como o sr. responderia a essa pergunta?

Estamos envelhecendo muito mais rapidamente do que os países desenvolvidos. Toda essa evolução está ocorrendo em poucas décadas, em contraste com o período de mais de um século que demorou a dos países desenvolvidos. Isso nos obriga a ter soluções mais rápidas e mais eficazes para as questões emergentes.

 É possível identificar novas tendências ou conceitos surgindo hoje ou que estejam para surgir no futuro?

Há evidente mudança nas características dos clientes que hoje procuram unidades de emergência e internação, o que altera substancialmente as necessidades de atendimento dessa nova demanda. Além disso, temos idosos com muito mais conhecimento das suas necessidades e possibilidades, cientes dos seus direitos e buscando atender às suas expectativas.

Hoje o perfil do paciente que procura esses atendimentos é o daquele com múltiplas doenças crônicas, diferentemente do de antigamente, quando o mais comum era uma doença aguda. Isso exige o surgimento de um novo perfil de profissional de saúde, que tem que conhecer melhor todas as alterações possíveis no funcionamento do organismo, de uma maneira mais holística.

A organização da sociedade deverá passar por mudanças muito profundas? Por quê?

Por ter a necessidade de incluir o idoso entre os grupos que determinam seus rumos, como deve acontecer em uma sociedade equilibrada que respeita seus diferentes membros e cria oportunidades para o desenvolvimento dos seus componentes.

O idoso tem uma possibilidade maior hoje de prolongar seu desempenho profissional, esportivo e social. Ele permanece mais tempo contribuindo com a sociedade. Uma das nossas jogadoras de futebol feminino está participando da sua quinta Olimpíada! Essa longevidade funcional deve mudar um pouco a maneira como se pensa na terceira idade.

E essa ideia de inclusão do idoso precisa se alastrar. Propomos que o idoso não seja mais excluído por conta da idade. Até há pouco tempo o SUS não aceitava doação de sangue a partir dos 60 anos. Isso mudou, mas não muito: hoje é possível doar levando uma autorização médica.

“Envelhecer com saúde é um direito e um dever de todos nós”

Segundo o Relatório Mundial sobre o Envelhecimento e Saúde, divulgado pela Organização Mundial de Saúde no ano passado, uma criança nascida no Brasil em 2015 pode esperar viver 20 anos a mais do que uma que nasceu há 50 anos. Outro dado interessante é que o número de pessoas com mais de 60 anos deve crescer muito mais rapidamente no Brasil do que a média mundial. O sr. destacaria mais algum número?

Sim. O número de pessoas com 80 anos ou mais crescerá 27 vezes, tomando como base a população de 1980 e comparando com as projeções para 2050. Isso significa que, além de termos muito mais chance de nos tornarmos idosos [mais de 60 anos], teremos igualmente cada vez mais chance de nos tornarmos muito idosos [mais de 80 anos].

Por que o envelhecimento da população brasileira será mais rápido do que a média mundial [a porcentagem de idosos deve triplicar até 2050 entre os brasileiros, enquanto no restante do globo espera-se que duplique]?

Os países em desenvolvimento iniciaram esse processo muitas décadas, depois dos países desenvolvidos, mas, uma vez dado início ao processo, este está se fazendo muito rápido, o que nos aproximará cada vez mais das cifras alcançadas por eles sem termos as condições de infraestrutura adequadas para fazer frente a essa demanda.

Como orientar a sociedade brasileira para se preparar para 2050?
Pensar no envelhecimento populacional e individual em todas as resoluções. Envelhecer com saúde é um direito e um dever de todos nós.

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