O bom filho a casa torna. A parábola dos tempos bíblicos tem ecoado nos dias de hoje. Frente a dificuldades financeiras, desemprego e separação, filhos adultos recorrem ao carinho e à compaixão da família para se reestruturar. Mas, muitas vezes, esse “retorno às origens” se torna um desafio às relações entre as gerações.

“Tanto os filhos quanto os pais estão em processo de mudança. E mudar nem sempre é fácil", explica a psicóloga Ana Clara dos Santos. Na adaptação a uma nova rotina, "podem aparecer conflitos”.

Casada e mãe de três filhos adultos, Ana Maria Belli, 53 anos, tem passado por essa experiência. Abriu as portas para o primogênito, Jorge, 37 anos, depois de quase uma década morando separados. Aos 28, ele havia trocado a cidade paulistana de Jaguariúna, onde fica a casa da família, pela de Mogi Mirim, onde trabalhava, aproveitando a boa condição financeira para construir o próprio espaço.

Em 2015, no entanto, ele saiu do emprego. “Falei: ‘a casa está aberta, vamos enfrentar tudo juntos’”, recorda ela. Jorge, que antes tinha uma vida independente e depois passou a depender financeiramente da família, aceitou o convite. “[Esse contexto] era muito ofensivo para ele”, conta.

Resultado: o filho se fechou e não conversava com ninguém. Quando conseguiu sair do casulo, a personalidade metódica dele e a diferença de idade com os irmãos (o do meio tem 22 e o caçula, 19) chacoalharam o ambiente. Os conflitos começaram a aparecer.

“O que ele queria era que todos nós nos adaptássemos a ele”

A mãe conta que o mais velho não gosta de movimento, enquanto os demais adoram receber amigos. “Ele achava que não tinha mais espaço, que estava atrapalhando. Mas o que queria era que todos nós nos adaptássemos a ele. Quando, na realidade, era ele que estava voltando e tinha que se adaptar à casa”, recorda.

Bandeira branca

Colocada à contragosto no meio do fogo cruzado, Ana Maria procurou um meio-termo. Propôs que os mais jovens trouxessem suas visitas quando Jorge estivesse fora. Com o ajuste, o relacionamento dos filhos melhorou “uns 70%”.

Com o empresário José (nome fictício), 75 anos, a situação também tem ficado, aos poucos, menos desafiadora. Mas, há três anos, quando abriu as portas para a nora, o neto e o filho de 38 anos, que estava desempregado, “a mudança foi meio traumática”. “Ela é difícil e ele, mais difícil ainda”, avalia.

Houve estranhamentos – perder a privacidade e evitar dar palpite na educação da criança foram alguns desconfortos que teve de superar. “Aceitei muita coisa”, diz ele, explicando que busca evitar conflitos. Também procurou estabelecer limites, mas sem uma conversa clara. “Me fiz entender por meio de atitudes.”

“Houve brigas homéricas”

Até que filho e nora ameaçaram seu cachorro. “Houve brigas homéricas”, lembra o pai. “Eu disse: ‘quem estava aqui antes era ele, e essa casa é dele’.” A discussão chegou a tal ponto, que, há um ano e meio, passaram a fazer compras e a cozinhar separadamente. Mas, segundo ele, o casal entendeu que havia fronteiras que deveriam ser respeitadas. Maltratar o bichinho era uma delas.


Leia também: Felicidade retorna com força aos 60 anos, revela Mirian Goldenberg


Quando o filho e a nora anunciaram a segunda gravidez, José também ficou incomodado. Ser avô novamente era ótimo, mas vinha com outra mudança de rotina, que incluía, no mínimo, muitos choros e mais visitas em casa. O desconforto, contudo, durou pouco tempo. “A bebezinha me adora”, orgulha-se.

Ana Maria também vê pontos positivos na volta do primogênito. Os dois saem, de vez em quando, para tomar um chope, o que não acontece com os filhos mais novos. “O Jorge é muito companheiro. Ele me entende.” Em pouco tempo, no entanto, ele deve se mudar. “O canto dele estará aqui, sempre que precisar. E o colo também”, finaliza.

5 dicas para facilitar a convivência

A psicóloga Ana Clara dos Santos explica que garantir uma boa convivência após o retorno dos filhos adultos é possível. A seguir, ela apresenta cinco dicas para quem vai conviver novamente sobre o mesmo teto com as “crianças”.

  1. Ajuste as expectativas

“É importante conversar e ter a oportunidade de ouvir o outro.” A liberdade de cada um deve ser respeitada e, segundo a especialista, isso só acontece se todos estiverem disponíveis a uma possível mudança de rotina. “Se cada um puder e conseguir abrir mão de alguma coisa em prol do outro, a convivência será harmônica”, sinaliza.

  1. Resolva os conflitos rapidamente

“Como se trata de uma readaptação de espaço e de convivência, os conflitos surgem, principalmente, devido às diferenças entre as gerações. Nesse sentido, é necessário que haja um diálogo aberto e franco para diminuir as brigas e o sofrimento”, pondera. E rapidamente, para que uma questão pequena não se torne um grande problema.

  1. Estabeleça limites

Os limites devem existir e o ideal é que sejam estabelecidos de forma natural, de acordo com a especialista. Por exemplo: se alguém trabalha à noite e precisa dormir durante o dia, os horários da casa deverão ser ajustados para contemplar essa necessidade.

  1. Fomente o bom senso

Se algo na rotina de uma das pessoas prejudica a rotina de alguém da casa, é adequado conversar e chegar em um consenso. “Todos devem abrir mão de alguma coisa para que a convivência possa ser amistosa”, recomenda a psicóloga.

  1. Seja tolerante  

“A tolerância é importante. A convivência familiar exige que sejamos um time, no qual cada um joga do seu jeito, mas com o objetivo de vencer”, filosofa.

Clique aqui e saiba se a sua cidade é um bom lugar para envelhecer, nesse estudo do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon e da FGV.

Compartilhe com seus amigos