No começo, era quase universal: a família se mantinha unida, os namorados distribuíam juras de amor e os amigos fortaleciam laços ao trocar cartas. As meninas colecionavam papéis e mantinham pastas imensas com folhas coloridas, perfumadas, importadas, feitas à mão e com envelope combinando – para escrever para todo tipo de destinatário. Os meninos talvez menos, mas também se correspondiam, trocavam figurinhas pelos Correios e tentavam impressionar as garotas.

O primeiro inimigo a surgir nesse território de correspondências manuscritas foi o telefone, que encurtou o tempo de comunicação, mas não as matou. Depois, vieram o computador e o smartphone. Combinados aos novos meios de informação, como redes sociais e e-mails, tornaram a comunicação quase instantânea e alvejaram quase mortalmente as cartas.

O prazer de escolher o papel, criar a mensagem, comprar selos e colocar o envelope na caixa do correio minguou. A alegria de esperar o carteiro para saber se a resposta tinha vindo também esmoreceu – e, de repente, aquela coleção de mensagens bem guardadas, tão cheias de significado, pararam de aumentar.

Essa redução na troca de cartas está refletida nos números dos Correios. Em 2012, foram enviados 8,9 bilhões de objetos, entre cartas sociais, comerciais e não comerciais, telegramas, remessas expressas e econômicas e marketing direto. No ano passado, o total ficou em 6,5 bilhões, o que representa uma redução de 27%.

Em junho deste ano, o volume de cartas simples de pessoas físicas e sociais (voltadas a participantes do Bolsa Família, seus dependentes e pessoas presas) foi de 8,6 milhões – vale lembrar que nem todas essas correspondências são manuscritas. O estado de São Paulo foi o remetente de cerca de 60% e destinatário de 18,5% delas.

Impactos

Um dos impactos mais significativos surgiu para quem passou dos 70 anos de idade e não foi devidamente inserido na era digital. Para essa população, o declínio de trocar cartas entre pessoas queridas provocou um certo isolamento. Escrever e receber cartas, diz o psicólogo Guilherme Pereira, é “oferecer uma oportunidade para essas pessoas estabelecerem contato”.


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Tem mais: a comunicação escrita estimula a parte psicomotora, com o uso da motricidade fina (capacidade de executar determinados movimentos com coordenação e destreza). E ativa a criatividade e o lado lúdico. “A pessoa vai utilizar uma série de recursos mentais relacionados à linguagem para poder organizar suas ideias no papel”, conta.

A atividade pode trazer sentimentos como alegria, contentamento e satisfação, contribuindo para que o emissor e o receptor sintam bem-estar psicológico. “Quando a gente recebe coisas – abraços, beijos, presentes ou carinho –, geralmente, isso nos leva a ter emoções positivas”, reitera Guilherme.

Resistência

Mas há quem não abandone o hábito de trocar cartas, como as pedagogas Rosaly Costa de Assis, 52 anos, e Silvia Santos, 50. Ambas atribuem terem parado de escrever cartas às mudanças de vida depois do matrimônio. “Casamento, trabalho, filhos. Aí fui tomando outro rumo e nesse ínterim fui escrevendo muito pouco, mas continuei escrevendo para mim”, reflete Rosaly.

O carinho, a alegria e o prazer proporcionados pela prática falaram mais alto e, há cerca de um ano, Rosely voltou a redigir suas mensagens. “Escolho papel e caneta e gosto até mesmo de colocar essência na folha onde escrevo, principalmente lavanda. Isso me proporciona bem-estar”, considera.

Ela conta que os assuntos são os mesmos das redes sociais. “Falo sobre mim, o que gosto de fazer, o que tenho lido ultimamente, pergunto sobre gostos da outra pessoa e trocamos trechos de livros que achamos interessantes.”

Silvia também revela a paixão pelo hábito. “Amo a escrita! Sempre escrevia poesias, crônicas e pensamentos.” E, com o término de um relacionamento, sentiu vontade de se comunicar por escrito de novo. “Busquei grupos de pessoas que amam escrever cartas, mas não encontrei muitos.”

Ela diz que, atualmente, não troca cartas com ninguém. Mas avalia que o instante da escrita “é um momento nosso de reflexão de nós mesmos a respeito do outro”. “Há uma troca nisso, você para pra pensar e escrever, reflete sobre o que escreve e o outro ‘lê’ você. Escrever é uma arte, independentemente de ser carta, poesia, poema, livro, crônica ou artigo. E viva a escrita!”

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