O exercício de se colocar no lugar do outro é muito útil em diversas situações. Mas é raro alguém se empenhar tanto como fez a geriatra e designer norte-americana Patricia Moore, 64 anos. Hoje uma das maiores especialistas do mundo sobre comportamento do consumidor, ela literalmente se transformou em uma idosa, quando tinha 26 anos, e se aventurou por mais de cem cidades dos Estados Unidos e do Canadá, de 1979 a 1982.

A ideia era entender melhor os desafios que uma pessoa idosa e com dificuldade de mobilidade encontrava para viver em uma sociedade estruturada majoritariamente para os jovens. Com esse objetivo, usou um disfarce que lhe dava aparência de mais de 80 anos e que simulava mudanças sensoriais normais do envelhecimento, usando ataduras e outros truques.

O que ela viveu nesses três anos mudou para sempre a mulher e a profissional, que passou a militar pelo design universal, pensado para objetos e ambientes que atendam às necessidades de todos, sejam jovens, velhos, mais ou menos capazes de se mover e realizar tarefas do dia a dia. Hoje ela se diz decepcionada com a incapacidade do mercado e da comunidade do design de abraçar a causa.

Leia os principais trechos de sua entrevista:

 Quando tinha 26 anos, a sra. decidiu se vestir como idosa e viajar pelos EUA e Canadá. Qual foi sua intenção? A sra. já se interessava por gerontologia naquela época?

Em 1979, época em que realizei o experimento "Elder Empathic Experience" [algo como Experiência de Empatia com os Idosos, em português], o foco principal no trato do envelhecimento era o modelo médico de tratamento de doenças e condições crônicas. As comunidades de arquitetura, design e engenharia basicamente ignoravam as pessoas mais velhas, com a suposição muito errônea de que os idosos não eram "consumidores", mas sim "pacientes", e que, portanto, não faziam parte das preocupações da área.

Patricia Moore Patricia com 26 anos, quando transformou-se em uma idosa; crédito: MooreDesign PHX

A gota d'água para mim foi quando fui repreendida por um superior na Raymond Loewy Internacional [empresa de design com sede em Londres]. Eu era a mais jovem e a única mulher entre os designers industriais no escritório de Nova York. Estávamos em uma sala de reunião, discutindo o projeto de um refrigerador, quando eu perguntei se não poderíamos considerar o uso de maçanetas que fossem mais fáceis para os idosos e as pessoas com limitações de força e de movimentos. A resposta foi: "Pattie, nós não projetamos para essas pessoas!". Se a Raymond Lowey não estava projetando para todos os tipos de consumidores, quem estaria?

Quando eu era criança, assistia aos meus avós e seus amigos lutando com dificuldade para realizar as atividades da vida diária e, instintivamente, sabia que a falha não era deles, mas o resultado de soluções de design pobres e inadequadas.

Quando conheci os maquiadores de televisão e cinema que viriam a me ajudar a criar as diversas personagens idosas que usei, percebi como fazer as pessoas despertarem para a ação. Ao me tornar uma mulher na casa dos 80 anos, eu seria capaz de mergulhar na realidade diária das pessoas idosas que vivem em uma sociedade orientada para os jovens.

“[No papel de idosa], vi bondade, amizade e amor. Experimentei rejeição, ódio e medo. Fui atacada por uma gangue de meninos, assaltada, espancada e deixada para morrer”

Patricia Moore A designer disfarçada de uma senhora octagenária; crédito: Bruce Byers NYC

Qual foi a principal dificuldade que a Sra. encontrou no seu papel de idosa?

Enquanto eu estava na personagem, viajei para mais de cem cidades nos Estados Unidos e no Canadá. Vivi, em primeira mão, a reação das pessoas, que, ao encontrar uma mulher mais velha com dificuldades motoras, escolhiam entre apoiar a minha presença ou olhar para o outro lado.

Vi bondade, amizade e amor. Experimentei rejeição, ódio e medo. Fui atacada por uma gangue de meninos em uma rua isolada, assaltada, espancada e deixada para morrer. As lesões sofridas me deixaram com sequelas e dores constantes.

Qual foi sua principal conclusão com relação ao design?

Quando ressurgi, como uma mulher de 30 anos, estava mudada para sempre, tanto como pessoa quanto como profissional. O amor e o respeito por meus avós, que haviam inspirado minha jornada como uma anciã, fundiram-se com minha experiência pessoal com o preconceito de idade e o impacto diante da negligência ao projeto de um design mais aceitável.

Nasceu uma paixão por criações inclusivas para a vida toda, com ênfase nas soluções universais, através do design. Com todas as nossas boas intenções, parece que tudo o que a comunidade do design faz, muitas vezes, é pouco mais do que encher os porfólios dos estudantes com as melhores intenções e depois perpetuar profissionalmente mitos e equívocos, não conseguindo suprir as necessidades reais dos consumidores. O resultado tem sido o design de produtos e ambientes que são no mínimo inadequados.

Como essa experiência mudou sua maneira de pensar o design?

O design de produto continua deixando a desejar em termos de inclusão. Na década de 80, tive o prazer de participar da equipe de projeto que ajudou a criar os utensílios domésticos OXO [que possuem design universal]. Eu esperava que o sucesso dessa linha incentivasse muito mais o design universal, mas, infelizmente, não foi o caso.

Agora, estou vendo meus pais terem dificuldade com a casa e os produtos que eles uma vez já usaram com facilidade. Meu pai não consegue dominar o controle remoto do seu novo serviço de TV a cabo, e ele era eletricista profissional. Minha mãe chegou a um ponto em que a manutenção da casa causa frustração e dor. A história se repete, e eu não poderia estar mais decepcionada com o fracasso da comunidade do design em ser pró-ativa e responsiva.

O conceito de design universal já existia na época da experiência, no início dos anos 80?

Na verdade, os princípios do design universal foram desenvolvidos em 1997. Usei pela primeira vez o termo "design universal" em um projeto de habitação acessível que criei quando era estudante no Instituto de Tecnologia de Rochester, em 1972.

Como tem acontecido com frequência na história dos avanços, o arquiteto Ron Mace também usou o termo e é muitas vezes creditado como o primeiro a utilizá-lo em uma publicação para designar a expansão -muito necessária- da ideia de uma mera arquitetura "sem barreiras" para todo o espectro do design na construção e no desenho de produtos.

Atualmente eu uso os termos "inclusão para todos através do design" e outras variações para descrever a necessidade de todas as soluções de design reconhecerem, com equidade, todas as idades e habilidades da vida.

“Eu sempre incentivei estudantes e jovens profissionais a pensar em seus avós quando estão imaginando e desenvolvendo conceitos e soluções”

Em outra entrevista, a Sra. disse que "incentiva seus colegas designers a pensar em design como algo que englobe todas as necessidades e desejos dos indivíduos, mas que muitos não conseguem aplicar esses princípios ao trabalho". Em sua opinião, por que isso acontece?

 Eu sempre incentivei estudantes e jovens profissionais a pensar em seus avós quando estão imaginando e desenvolvendo conceitos e soluções. Uma perspectiva mais ampla, que considere consumidores de todas as idades e habilidades, resulta no que eu chamo de "design para a vida toda", algo que é não só mais ético, mas também é o melhor em termos de negócio.

Assim como os esforços mundiais para acabar com o preconceito de gênero, raça e religião, a luta pela igualdade e pela inclusão nas arenas da "idade e da capacidade" também continuam.

O design universal é muito caro ou difícil de implementar?

O que sai ridiculamente caro é a incapacidade de fornecer produtos a todos os cidadãos e consumidores igualmente. Em todo o mundo, os governos estão aprovando códigos e normas que proíbem a exclusão das necessidades de qualquer pessoa na concepção das comunidades. Essa é a única abordagem sensata.

 

Quais são os países do mundo mais avançados nesse setor?

Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão foram os países que assumiram a liderança e que mais verbalizaram e deram visibilidade à ideia da "igualdade pelo design". Mas há designers e arquitetos em todos os lugares participando desse "combate do bem" e criando  soluções sensatas para todos.

 

Como a Sra. vê o design universal no Brasil?

Quando o Rio de Janeiro sediou o evento "Projetando para o Século 21 III: Conferência Internacional sobre Design Universal", em dezembro de 2004, o hotel anfitrião teve que instalar rapidamente um elevador para proporcionar acessibilidade às pessoas em cadeiras de rodas.

Tivemos o prazer de ver uma melhoria tão sensível para a mobilidade, mas, logo em seguida, ficamos desapontados ao saber que era uma solução temporária.

Lembrar das pessoas que usavam cadeiras de rodas, presas nas torres do World Trade Center [em Nova York], incapazes de escapar dos edifícios em 9/11 porque precisavam de acesso aos elevadores, é um pensamento que ainda me assombra. Há um trabalho significativo a ser feito no Brasil e em todo o mundo.

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