Foi no começo da tarde de 30 de janeiro de 1969, na cidade de Londres, Inglaterra, mais precisamente em Savile Row Street, na sede da Apple Studios. O show quase improvisado, no telhado do prédio localizado no centro comercial de uma das mais agitadas metrópoles do mundo, se estendeu por cerca de 40 minutos, e o set list incluiu nove takes de cinco canções que entrariam para os anais da música: foram as últimas tocadas ao vivo pela maior banda pop-rock de todos os tempos, um fenômeno de massa que, transcorridos 50 anos, ainda permanece vivo e – o que é mais incrível – fresco. Naquele dia especialmente gelado, os Beatles prenunciavam seu fim como grupo e sua eternidade como mito.

Celebravam aliviados a conclusão do projeto Let it Be, documentário sobre a rotina de gravação de um novo álbum, que somente seria lançado um ano mais tarde e que acabaria por revelar um ambiente tenso, fruto do esgarçamento das relações entre os quatro gênios de Liverpool. O resultado do filme e do disco homônimo foi, no mínimo, discutível. Fora a antológica balada que deu nome ao trabalho, a pulsante Get Back e a bluesy Don’t Let Me Down, as demais composições não reproduziram o brilho costumeiro da banda. Mas, a esta altura do campeonato, o que importa a qualidade de meia dúzia de músicas dos Beatles? O que vale mesmo é o último concerto e o que aconteceu a seguir.

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A ideia de terminar o massacrante documentário com um show no telhado, dizem, foi de John Lennon (e de quem mais seria?). Queria um fecho explosivo para o projeto, em plena quinta-feira, agitando o centro de Londres, parando o trânsito, reunindo uma multidão e provocando uma reação exacerbada das autoridades. Seria o máximo se a polícia os tirasse de lá à força, se fossem presos e, até, se apanhassem um pouco. Quantas manchetes isso daria?

As coisas não saíram exatamente como Lennon imaginou. A polícia inglesa foi extremamente cordial e não desceu a borracha em ninguém. Por sua vez, o frio inclemente congelou o ímpeto do quarteto e ao fim de alguns números, já não havia disposição para sequer uma nota a mais. E foi assim que se fecharam as cortinas da última apresentação ao vivo dos lendários fab four. Assim, o roof concert entrou para a história como o dia em que o sonho subiu no telhado.

No entanto, não pensem as amigas e amigos que a história termina desse modo insosso e inodoro. Habemus condimentum et nidore! Antes de serem gentilmente convidados pelos policiais a descerem da laje, os Beatles já tinham outro disco no forno: Abbey Road, uma autêntica obra-prima, bem ao estilo dos rapazes.

Aliás, já não eram exatamente rapazes. John, Ringo, Paul e George andavam pertinho dos trinta. Estavam casados – John pela segunda vez, com a polêmica japonesa Yoko Ono -, tinham ambições individuais, personalidades fortes, interesses diferentes e haviam perdido o fiel da balança, aquele que conseguia equilibrar as coisas e manter a ordem no reino dos quatro cavaleiros de Sua Majestade Elizabeth II, o empresário Brian Epstein, morto por uma overdose de barbitúricos. John fazia planos para uma carreira individual, Paul queria ter controle total sobre a banda e seus negócios, enquanto George mostrava-se, cada vez mais, insatisfeito pela forma como suas composições eram tratadas pela dupla. Quanto a Ringo, bem, Mr. Richard Starkey enfrentava um período de baixa estima e só queria mesmo ser amado pelos companheiros.

Abbey RoadLançado no dia 26 de setembro de 1969, Abbey Road provou ao longo dos últimos 50 anos ser um dos maiores acertos da discografia de 13 álbuns gravados no decorrer de sete anos. No embalo de suas 15 músicas, das quais seis estão encadeadas nos 16 minutos de uma deliciosa suíte, ainda hoje podemos ouvir Something com a mesmíssima emoção da primeira vez. A melhor canção de amor de todos os tempos, segundo Frank Sinatra, e Here Comes The Sun, são duas obras imortais de George Harrison, logo ele, tão esnobado por Lennon e McCartney, os profícuos fabricantes da esmagadora maioria de hits do conjunto.

Até a capa do disco é antológica, com os quatro atravessando a faixa de pedestres da rua do abade, cena reproduzida à exaustão por gente de todo gênero, raça, credo e nacionalidade, in locco ou e em qualquer cruzamento semelhante do planeta. A famosa faixa acabou sendo declarada pelo governo inglês como patrimônio de interesse especial oficial do Reino Unido. Uau!

Abbey Road

No universo surreal de mais de um bilhão de álbuns vendidos pela banda, Abbey Road foi o mais bem-sucedido com algumas dezenas de milhões, um êxito absoluto de crítica e de público. Todo mundo gostou, menos John Winston Lennon. O marido da Yoko detestou o trabalho e apresentou a carta de demissão. Avisou com todas as letras que sairia da banda para se dedicar à carreira-solo. The dream is over, o sonho acabou. Apenas concordou em não abrir o jogo para não prejudicar os maravilhosos índices do novo bolachão.

Aí veio a bola nas costas. McCartney, que havia pactuado esperar até meados do ano seguinte para anunciar com os demais o fim da banda, convocou a imprensa e, sozinho, botou a boca no trombone: “tô fora”! No dia 10 de abril de 1970, os Beatles acabaram oficialmente, mas suas músicas e lembranças ainda estão vivas, sem prazo de validade. Seus ex-integrantes, dois dos quais já morreram, são venerados por milhões de pessoas que nasceram 20, 30 anos depois do fim do quarteto. Como diz a última canção da magnífica suíte de Abbey Road, premonitoriamente chamada The End, “no fim, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá”.

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