Filhos gerados no próprio ventre ela teve dois; os gerados no coração já passam de 20 mil. Dagmar Rivieri Garroux, 63 anos, fundadora da Casa do Zezinho, organização não governamental localizada na região do Capão Redondo, periferia de São Paulo, é uma mãe incansável, preocupada em fazer da educação a principal ferramenta de transformação dos seus “filhos”.

Tia Dag, como é chamada por todos, se define como uma “mãe do mundo”, alguém que faz parte de uma “família universal”. Ela também se assume como “aquela mãe italiana com judia”, “muito intensa”, mas ressalva que não consegue ser diferente.

Essas características se refletem em sua trajetória e, principalmente, nas suas realizações. Formada em pedagogia pela USP (Universidade de São Paulo), seguidora de Paulo Freire, não conseguiu colocar em prática, nas escolas tradicionais por onde passou, aquilo em que acreditava.

“Comecei com filhos de exilados políticos e crianças da favela. Quando vi, já eram 60, na minha casa”

Dessa inquietação e da dureza da realidade das crianças da periferia paulistana surgiu o embrião do que viria a ser a Casa do Zezinho e a Pedagogia do Arco-Iris: “Eu não conseguia implantar o que eu acreditava por aí, então resolvi implantar na minha casa. Comecei com filhos de exilados políticos e crianças da favela. Quando vi, já eram 60, na minha casa”, lembra.

O filho Alessandro cresceu com os “irmãos” que iam chegando de vários lugares. Segundo Tia Dag, ele jamais entendeu outro modo de viver que não fosse compartilhando – espaço, comida e até o afeto da mãe: “Ele nunca teve um quarto só dele. A casa estava sempre cheia de crianças e jovens que não tinham onde morar e ele sentia que tudo que eu fazia não abalava em nada o amor que eu tinha por ele”, relata.

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Na década de 1990, grupos conhecidos como “esquadrões da morte” exibiam nas periferias listas de meninos marcados pra morrer. Tia Dag entendeu que precisava mais do que nunca partir para a ação e protegê-los, sobretudo, da falta de perspectivas.

Decidiu arranjar uma casa maior, chamar as companheiras que queriam “mudar o mundo” e instalar oficialmente a Casa do Zezinho. Não é um abrigo – palavra que, aliás, ela detesta –, nem uma instituição de caridade. É uma casa! O que se faz ali, todos os dias, também não tem nada a ver com caridade ou assistencialismo: é educação.

"A valorização de todo tipo de saber e a autonomia estão no cerne da pedagogia praticada na Casa do Zezinho"

As crianças foram se multiplicando e, junto com elas, sonhos, possibilidades e oportunidades para toda a família. “Uma vez, durante uma oficina de cerâmica, um zezinho me contou que a avó fazia vasos com casca de coco. Eu fui conversar com ela e quis contratá-la para ser a primeira educadora da casa. Ela me falou que não podia porque era analfabeta. Daí eu disse: ‘A senhora é analfabeta em letras, eu sou analfabeta em casca de coco. A gente troca’”.

A valorização de todo tipo de saber e a autonomia estão no cerne da pedagogia praticada na casa, chamada de pedagogia do arco-íris, em referência às cores que correspondem às diferentes fases do desenvolvimento da criança. Tia Dag explica que a metodologia foi construída coletivamente e voltada às potencialidades dos zezinhos, que sempre tiveram voz para opinar e decidir sobre tudo.

A participação efetiva das famílias também é uma conquista importante. E ela menciona que a grande maioria dos meninos e meninas vive com mães e avós: “Nas reuniões mensais as salas lotam. Queremos saber como podemos trabalhar juntos e é proibido aos educadores falar mal de um zezinho”, ressalta.

“Você ganha mil beijos por dia? Eu ganho!”

Uma das muitas provas de que o projeto deu certo é que 80% dos educadores e funcionários da casa também já foram zezinhos. Muitos seguiram seu caminho e se dedicam hoje a diferentes projetos sociais. O vínculo permanece e Tia Dag faz questão de manter contato com todos. Ela conta que, se algum deles a encontra na rua e publica uma foto com ela, imediatamente chovem reações de outros ex-zezinhos enciumados.

Hoje, o grande desafio abraçado por Tia Dag é retomar os 600 atendimentos que foram interrompidos no começo do ano, devido à crise financeira, e para isso ela arregaçou as mangas e iniciou um financiamento coletivo _ clique aqui e saiba como ajudar. A persistência certamente virá estimulada pelos desejos que ela, como toda mãe, tem para os seus filhos: “Quero que eles sejam felizes e que tenham sonhos”.

Perguntada sobre como define o seu trabalho, a mãe desse mundo de zezinhos responde com outra pergunta: “Você ganha mil beijos por dia? Eu ganho. Então, eu não vejo como missão ou algo assim. A oportunidade que eu tenho de aprender com eles é uma coisa fantástica”.

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