Em 2012, ano em que completou 50 anos, Beatriz Dobke Sakano teve um grande presente. E não foi para comemorar o aniversário, mas sim a realização de um sonho: criar uma ONG para ajudar mulheres que, como ela, haviam vencido um câncer de mama.

Sua luta começou aos 38 anos. Primeiro, no diagnóstico da doença. Notar que o mamilo tinha virado para dentro não a assustou, especialmente pela pouca idade na época. Foi algumas vezes à Unidade Básica de Saúde e a dois hospitais – em um deles, o caso foi tratado como uma cicatriz.

Por insistência da cunhada, conseguiu atendimento no Hospital Pérola Byington (SP). No dia 13 de setembro de 2001, chegou o resultado: câncer de mama. Fez mastectomia, esvaziamento axilar, reconstrução da mama, radioterapia e quimioterapia. E passou tudo o que boa parte das mulheres em tratamentos como esse passam: náusea, perda dos cabelos, cansaço, falta de ar, diarreia.

Também teve de enfrentar suspeitas de metástase na coluna, no pulmão e no fígado. Quando a desconfiança passou a ser de a doença ter ido para o cérebro, Beatriz passou a ter dores de cabeça intensas. Por um mês, sangue e pus saíam de seu ouvido. “Foram dias que pareciam não ter fim”, lembra ela, aliviada pelo câncer não ter se espalhado pelo corpo em nenhuma das ocasiões.

Quase no fim do tratamento, em um período em que o marido estava desempregado e a família passava por dificuldades financeiras, conheceu um grupo de mulheres que articulava um abaixo-assinado em frente ao hospital.

Tinha ido apenas buscar medicamento, mas, em pouco tempo, já estava envolvida na causa, a de garantia de transporte gratuito para pacientes com câncer e mulheres mastectomizadas. “Algumas dormiam na praça [próxima ao Pérola Byington] porque não tinham como voltar. Eu mesma pegava dois ônibus e um metrô só para ir.”

 “Parei de lutar em nome da Beatriz e comecei em nome do coletivo”

Tentou falar com o secretário da Saúde e organizou manifestação no centro de São Paulo – na qual apareceram quatro mulheres. “Peguei dinheiro do meu marido para fazer uma faixa, achando que ia conseguir dividir os custos com as 200 pessoas que haviam confirmado presença.” Nada parecia dar resultado.

Decidiu recorrer à defensoria pública. Quando o advogado disse que as chances de conseguir transporte gratuito eram altas, ela perguntou: “Se eu posso, por que outras não podem?”. Foi aconselhada a procurar uma associação para ter mais representatividade. “Foi um estalo, uma ideia que levei adiante. Depois do câncer, comecei a ter estalos.”

Entrou para uma ONG. “Parei de lutar em nome da Beatriz e comecei em nome do coletivo”, afirma ela, que conseguiu atenção da mídia e audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Em 2006, uma resolução conjunta das secretarias de Estado da Saúde e dos Transportes Metropolitanos concedeu isenção de tarifas a pessoas com câncer em situações específicas.

No ano seguinte, perdeu a mãe para o câncer – em apenas 20 dias entre o diagnóstico e a morte. “Fiquei revoltada comigo. Me senti o pior dos seres humanos. Eu não vi o câncer na minha casa.”

“O que eu consigo para a ONG são conquistas da minha vida”

Largou tudo e foi trabalhar na área administrativa. Voltou a estudar e concluiu o ensino médio e a faculdade de tecnologia em políticas públicas. Ficou no emprego três anos, até 2010. “Um dia voltei para casa e disse para meu marido: ‘Pedi a conta’.” Voltou à ONG e encontrou um ambiente maior, com mais pessoas ajudando.

“Pensei: ‘Moro em São Mateus [zona leste de São Paulo], que é carente e não tem esse tipo de apoio’”, lembra. Em 2012, reuniu um grupo de mulheres e fundou a Associação Rosa Mulher. Começaram com cinco perucas e seis lenços.

Em três anos, conseguiu parceria de atendimento de fisioterapia com uma faculdade, apoio de psicóloga para atendimento gratuito, desconto de 50% no consultório odontológico do local, doação de dezenas de perucas de cabelo natural e sintético e de próteses mamárias, parceria com a UBS local.

“Hospitais públicos têm esses serviços, mas há cada vez mais mulheres que são atendidas pelo convênio e nem sempre tem peruca, prótese”, diz ela, acrescentando que os recursos vêm das criadoras da ONG, de bazares e da venda de sutiãs.

“O que eu consigo para a ONG são conquistas da minha vida. É maravilhoso!” Aos 53 anos, seu sonho, agora, é ter um espaço maior. Para ter mais conforto, sim, mas para fazer “mais atividades, grupos, reuniões, chás e aula de dança do ventre e ter um cantinho da beleza”. E completa: “Quero ajudar mais pessoas”.

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