Já vai fazer dois anos. “Mas parece que foi ontem”, conta Carmélia José Chaves, 69 anos – completará 70 em janeiro. Em 15 de fevereiro de 2017, a dona de casa viúva perdeu a filha única, a jornalista Adriana Chaves. Viveu uma dor que parecia insuportável e uma condição conhecida de muitos – a de idosos órfãos.

“Toquei a vida, senão morria também”, diz Carmélia, viúva desde 1993, ano em que se foi o marido, Renato, investigador de polícia. Depois da morte de Adriana, ela continuou morando sozinha em sua casa no Ipiranga, zona sul de São Paulo. A filha tinha o próprio apartamento havia sete anos, em um bairro próximo, o Jabaquara, mas ambas se viam constantemente; eram muito ligadas. O baque foi gigantesco.

Por sorte, a dona de casa teve onde se segurar. “Uma irmã mais velha, hoje com 77 anos e que mora na região da Vergueiro [zona sul paulistana], me apoiou muito”, afirma. No entanto, não foram apenas os parentes que a acolheram em sua fase de luto. “A família é fiel, mas a gente não a escolhe. Os amigos são ainda mais importantes”, diz. “Muita gente ficou e ainda está do meu lado.”

Por sinal, amizades nunca lhe faltaram, faz questão de salientar. “O pessoal vem aqui em casa, nós tomamos vinho, comemos salgadinhos”, descreve. Conta, inclusive, ter “herdado” uma amiga de infância de Adriana, chamada Renata. “Ela me visita toda semana. E me ajuda até com coisas que a minha filha fazia pra mim, como a declaração do Imposto de Renda.”


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Manter a cabeça sempre ocupada também é uma de suas estratégias no enfrentamento da perda. “Eu costuro e saio muito para fazer compras no Bom Retiro e no Brás [bairros de São Paulo com intenso comércio de tecidos e roupas]. E faço salgadinhos para vender. Não tenho tempo de sobra, e é muito bom não ficar à toa.”

E a vida amorosa, como não?, está igualmente em dia. Carmélia fala que não é namoro, apenas um “ficante” mais novo que ela, de 60 anos de idade. “Não tem compromisso”, ressalta. “A gente conversa muito”, completa ela sobre a relação que começou no ano passado.

“Ele meio que caiu de paraquedas na minha vida. Eu já o conhecia, mas não nos víamos havia 14 anos. Um dia ele me procurou, tocou a campainha de casa. Quase caiu duro quando soube da Adriana. Depois dessa visita, começou a vir mais vezes.”


Rede de proteção para idosos órfãos 

Ainda que não faça isso premeditadamente, Carmélia Chaves tem seguido à risca a cartilha da psicoterapeuta e conselheira familiar Ana Fraiman no que diz respeito ao combate à solidão, especificamente na situação das pessoas mais velhas que se veem sem chão quando perdem cônjuge e filhos. Esse perfil corresponde ao que se costuma chamar de idosos órfãos.

Para lidar com essa condição, é preciso estar preparado de alguma maneira. E a melhor das formas é praticar o que Ana chama de “netliving”, ou rede de proteção social e afetiva. “É preciso criar laços emocionais ao longo da vida”, afirma a psicoterapeuta. “Cultivar o convívio e ser generoso com pessoas que estarão ao seu lado quando surgirem situações delicadas.”

E, de fato, a conselheira não se refere apenas a familiares. “Podem ser antigos empregadores”, exemplifica. “Ou vizinhos. Ou alguém que você ajudou em alguma ocasião específica. Ainda que não seja uma pessoa muito próxima, ela não vai se esquecer da sua generosidade de alma e procurará retribui-la quando precisar.”

Nesse sentido, manter-se ativo e atualizado também é importante – e algo que Carmélia não deixa de fazer. “Quem tem uma conversa interessante e uma boa cultura geral está mais apto a manter relações com indivíduos de todas as idades e de diversos perfis sociais”, diz Ana.

Ter o costume de viajar, desenvolver a prática de um hobby – como a costura de Carmélia – ou mostrar-se disposto para jogos que favoreçam a sociabilidade – os de baralho, por exemplo – ajudam muito os idosos órfãos em seu dia a dia.

E, claro, um novo relacionamento amoroso também pode ser extremamente positivo. Ainda que seja apenas um flerte, ou um romance, ou um “ficante”, como o que dia desses acabou batendo à porta de Carmélia Chaves, uma mulher de coragem cuja rede de proteção não a deixa cair nos momentos mais difíceis.


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