Com o aumento da longevidade, o prolongamento da adolescência, o cenário econômico que leva a altas taxas de desemprego e a tendência de casais terem menos filhos do que antigamente, uma nova estrutura familiar se torna cada vez mais comum: a geração quatro-dois-um (quatro avós, dois pais e um neto), também conhecida como geração-sanduíche.

No meio desse modelo familiar está o casal. Ao mesmo tempo em que hoje conta com a ajuda dos pais para cuidar do filho pequeno, mais para frente poderá ter dupla função de cuidador: da criança ou do adolescente e dos pais com mais de 60 anos. E, naturalmente, situações de dependência emocional, financeira e social passam a ser inevitáveis.

Os desafios e oportunidades para quem está no “recheio” são muitos. “Esses adultos têm que, ao mesmo tempo, cuidar das próprias vidas, da carreira, dos relacionamentos amorosos, das amizades, da saúde, do crescimento intelectual e cultural, e assim por diante”, destaca a psicóloga Maria Celia de Abreu, autora do livro “Velhice - Uma Nova Paisagem”.

É o caso dos designers Daniel Passianotto Ventura, de 32 anos, e Patricia Itokazu Ventura, 36, que moram em São Paulo com o filho João, 5. Tanto os pais dela (Maria Luzia do Carmos, 56, e Luis Kamekati Itokazu Filho, 58) quanto os dele (Sonia Regina Passianotto Ventura, 63, Sérgio Lopes Ventura, 65) são totalmente independentes e conseguem auxiliar na criação do neto.

Sonia e Sérgio participam ativamente da formação do João, que adora dormir na casa dos avós paternos, também em São Paulo. Eles se veem praticamente todos os fins de semana, seja em almoços seguidos de passeio pelo shopping ou em viagens para parques aquáticos e hotéis-fazenda. Os pais de Patrícia, que moram no Rio de Janeiro, acabam vendo menos o neto, mas sempre que possível estão juntos, em aniversários e feriados prolongados.

Sobre a possibilidade de, no futuro, ter que se dividir entre os cuidados com o filho e os pais e os sogros, Daniel projeta: “Acredito que vai ser bem complicado. Conciliar a rotina de trabalho com o cuidado do filho já é complexo. Ele demanda muita atenção, mesmo eu e a minha esposa o encorajando a fazer muitas coisas sozinho. O João é filho único, então, quando estamos em casa, ele quer brincar, assistir algo com a gente, fazer alguma atividade fora do apartamento. É gostoso, mas bastante cansativo”.

Como sua avó paterna está com a saúde debilitada, o designer já vem observando a rotina de seu pai nos últimos tempos, se revezando com a irmã entre idas ao hospital, pagamento de cuidadores etc. “Tenho visto de perto o quanto de atenção ela demanda, muito mais que o João”, comenta. Por isso ele vem se questionando em como se preparar caso seus pais ou sogros precisem de algum tipo de cuidado especial mais adiante.

Pontuando que cada família tem uma realidade única e que qualquer recomendação precisa passar pelo filtro do casal, para decidirem se é ou não adequada a eles, Maria Celia, que é fundadora e coordenadora do Ideac (Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Artístico e Científico), cujo foco principal é a psicologia do envelhecimento, apresenta dicas valiosas para a geração quatro-dois-um.

Os desafios da geração quatro-dois-um

Substitua o peso por incentivos

Se a pessoa se dispuser a encarar as situações que vão se apresentando como desafios – isto é, oportunidades de procurar soluções criativas para situações inesperadas, de se tornar um exímio solucionador de problemas e mediador de conflitos, praticar flexibilidade e resiliência, fortalecer laços afetivos e conhecer novas pessoas que trarão algum tipo de enriquecimento –, o peso é substituído por incentivos para aprender, crescer e ser alguém significativo na história da família.

“Será um adulto apertado pelos lados de cima e de baixo do sanduíche, se equilibrando entre as demandas dos pais, do filho e as próprias necessidades, que se recolhe à noite talvez bastante cansado, mas certamente com a consciência tranquila e orgulhoso de si mesmo.”

Dê o exemplo para seu filho

Ter coerência entre discurso e prática é fundamental. Maria Celia ressalta que, embora filhos observem o que se fala, a aprendizagem por imitação é muito mais marcante. Vendo como o casal trata os avós, o filho assimila valores e, no futuro, vai reproduzir esses comportamentos, quando diante de mais velhos.

“Respeito, compreensão de que pessoas podem ter limitações, paciência, gratidão, bom humor, leveza e otimismo diante de problemas serão incorporados ao quadro de valores do filho e utilizados, se necessários, na época devida.”

Conheça seus pais

Enquanto os pais se expressam com lucidez, é importante que o filho converse com eles, estreite relações e os conheça profundamente, em seus valores, espiritualidade e posturas diante da morte.

Também é essencial que se informe sobre fatos aparentemente mais corriqueiros, como remédios, cirurgias e doenças anteriores, situações que lhes dão prazer ou são desagradáveis no dia a dia, preferências por roupas, cores, alimentos, bebidas, perfumes, quais os amigos de quem mais gostam etc.

“Eventualmente podem ser informações úteis. De quebra, quando se conhece melhor alguém, a compreensão e o afeto por ela só tendem a aumentar.”

Converse sobre finanças

Quase sempre, a renda de quem sai do mercado de trabalho cai sensivelmente. Por isso, Maria Celia indica que é importante que o casal converse com os pais sobre as possibilidades financeiras deles. Assim, num trabalho de colaboração, juntos podem verificar as melhores maneiras de ter alguma renda e construir um orçamento equilibrado, incluindo morar em uma situação realista, pagar um plano de saúde privado etc.

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