Peça de resistência do carnaval carioca, a Velha Guarda tem a importante função de manter viva a história das agremiações, transmitindo as tradições e os valores às gerações mais novas de amantes do samba. É formada pelos sambistas mais antigos, muitas vezes fundadores das escolas, que desfilam em posições de honra trajando roupas de gala. O sambista e pesquisador Nei Lopes explica que a vestimenta é inspirada nas roupas usadas por Paulo da Portela, que se espelhou nos zoot suits usados nos Estados Unidos por negros e latino-americanos durante as décadas de 1930 e 1940.

Uma das primeiras escolas de samba a serem criadas foi a Deixa Falar, no bairro do Estácio, em 1928. Entre seus fundadores, o nome ilustre de Ismael Silva, que idealizava criar um bloco carnavalesco diferente, que pudesse evoluir e dançar ao som do samba. No ano seguinte, um concurso de sambas foi realizado na casa do jornalista, pai de santo e sambista carioca Zé Espinguela, do qual participaram outras duas escolas precursoras: a Estação Primeira de Mangueira, fundada também em 1928; e o Conjunto Oswaldo Cruz, que data de 11 de abril de 1923, e mais tarde rebatizada como Portela.


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Naquele tempo, as três ainda eram reconhecidas apenas como blocos carnavalescos. A classificação “escola de samba” veio mais tarde, em 1932, quando o periódico “Mundo Sportivo” organizou o primeiro desfile de escolas de samba, realizado na Praça Onze. Dezenove agremiações participaram da competição, que teve como grande campeã a Verde e Rosa de Cartola.

Anos mais tarde, na década de 1960, o compositor mangueirense fundou a primeira Velha Guarda, justificando estar preocupado com a modernização nos desfiles das escolas de samba cariocas. Segundo Cartola, tantas mudanças colocavam em risco as tradições e os valores das agremiações. A ala vinha sempre abrindo os desfiles. Depois passavam pelas laterais e voltavam ao final do cortejo para encerrar a passagem.


Dificuldade de renovação na Velha Guarda preocupa as agremiações

Atualmente, a Velha Guarda vem enfrentando sérios problemas com o descaso dos dirigentes e a idade avançada de seus integrantes. Barreiras nos estatutos das escolas dificultam a entrada de novos integrantes na ala, que precisa de renovação para não correr o risco de deixar de existir.

Antes formada por 100 integrantes, a Velha Guarda da Mangueira hoje sobrevive com 60, dos quais cinco já não aguentam mais participar dos desfiles do carnaval. A presidente da ala, Dona Gilda, explica que para se tornar um integrante da Velha Guarda é preciso ter 60 anos de idade e pelo menos 30 anos como sócio. Mas que, devido à atual situação em que se encontra a ala, já estão aceitando o ingresso de não-sócios.

Já na Portela, dos 106 integrantes, apenas 80 ainda estão na ativa. No desfile de 2018, somente 60 desfilaram, número bem aquém do desejado pelas escolas, que é de 80. Desses, 15 integrantes tiveram de atravessar a avenida em carros alegóricos, porque já não aguentavam o esforço.

Para não passar pelo mesmo problema de suas adversárias, a representante da Tijuca no carnaval do Rio, Acadêmicos do Salgueiro, reduziu a idade mínima para se inscrever na ala, de 60 para 55 anos. Com isso, a escola consegue manter o número de 110 integrantes.


Desrespeito de uns, muito carinho de outros com os integrantes

Outra reclamação recorrente dos componentes da Velha Guarda das escolas de samba do Rio é a alteração constante na posição da ala durante os desfiles, que varia de acordo com o projeto do carnavalesco. Em 2005, durante o desfile da Portela, os integrantes da Velha Guarda foram impedidos pelo então presidente da escola de entrarem na avenida. Ele alegou que a agremiação já estava bastante atrasada e que a passagem da Velha Guarda, que era a última ala, faria com que o tempo máximo de desfile fosse extrapolado, o que causaria a perda de pontos importantes para a classificação. Ele ordenou que os portões da Marques de Sapucaí fossem fechados, mesmo sob apelo emocionado dos baluartes.

Ao final do desfile, quando os portões foram reabertos, a Velha Guarda então atravessou a avenida ovacionada pelo público. Ao perceber o ocorrido, a cantora Alcione, integrante da concorrente Mangueira, tomou as dores dos portelenses e se juntou à ala, pedindo mais aplausos das arquibancadas, que retribuía com muita festa.

“Com certeza quem fez aquilo não foi sambista de verdade, porque sambista de verdade não comete esse tipo de desrespeito"

Dez anos mais tarde, em 2015, durante a festa de entrega do conceituado Prêmio Sambanet, a Velha Guarda da Beija-Flor foi vaiada pelo público presente ao subir no palco para receber o troféu de A Mais Elegante dos desfiles do Grupo Especial no Carnaval daquele ano. Ao saber do ocorrido, o presidente de honra da Portela, Monarco, disparou: “Com certeza quem fez aquilo não foi sambista de verdade, porque sambista de verdade não comete esse tipo de desrespeito. Isso foi coisa de torcida. A Beija-Flor venceu o Carnaval porque os jurados acharam que a escola fez o melhor desfile e merece ser respeitada por isso”.

Para homenagear a Velha Guarda da Beija-Flor, a Portela ofereceu uma edição de sua tradicional feijoada à escola coirmã naquele mesmo ano. “No Carnaval de 2005, quando a Velha Guarda da Portela não desfilou porque os portões foram fechados, a Velha Guarda da Beija-Flor teve um gesto de carinho conosco, nos convidando para voltar à Avenida no Desfile das Campeãs, junto com a escola de Nilópolis, que foi a vencedora, para nos homenagear num momento difícil. Agora nós vamos retribuir com essa homenagem e convido a todos para que estejam na nossa feijoada para aplaudirmos juntos nossos amigos da Beija-Flor”, declarou Monarco na época.

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