Houve humor, e a plateia se divertiu com as histórias ali contadas. Houve presenças ilustres, que encantaram essa mesma plateia quando ela se viu ao lado de nomes como Lima Duarte, Zé Celso e Giulia Gam. Houve aplausos, muitos aplausos, ensurdecedores, principalmente nas falas de tom mais confessional. Mas, sobretudo, houve emoção, que obviamente não podia faltar em se tratando de um dos maiores nomes da dramaturgia brasileira, que, aos 89 anos, lançou, no último dia 10 de agosto, no Teatro Sesc Anchieta, em São Paulo, o livro “Fernanda Montenegro: itinerário fotobiográfico” (Edições Sesc, 500 págs., R$ 160).

“Ano que vem, faço 90 anos, e tudo o que vier agora é sobremesa”, disse Fernanda, com voz embargada, sob os holofotes que faziam brilhar uma impecável cabeleira branca no palco do Teatro Anchieta, em São Paulo. A primeira peça da história do teatro, por sinal, foi protagonizada justamente por ela – “A Mulher de Todos Nós”, dirigida por seu marido, Fernando Torres, em 1968.

Fernanda montenegro Fernanda é fotografada no meu aniversário de 50 anos; crédito: Acervo Fernanda Montenegro

Por falar em sobremesa, quem presenciou o lançamento da fotobiografia ficou com a sensação de que estava diante de uma espécie de cereja do bolo – e que bolo. Um banquete, na verdade. Em bate-papo com Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, e a filha e também atriz Fernanda Torres, Fernanda Montenegro revisitou alguns dos lugares mais marcantes de sua trajetória, em muito instigada pelas perguntas de Fernandinha durante a conversa.

A começar pela própria capa do livro – um compêndio visual com imagens raras do acervo da artista, que, ao longo de cinco anos, participou ativamente da concepção da obra. “Quando vi a foto que a estampa, fiquei me perguntando o porquê de sua escolha”, discorreu a filha. “Por que exatamente uma cena de ‘Fedra’ [texto do francês Jean Racine encenado por Fernanda Montenegro em 1986] na capa, em uma foto que o diretor Domingos de Oliveira classificou como obscena em uma conversa que tive com ele? Por que ‘Fedra’, mamãe?” Ao que a progenitora respondeu: “Porque é uma personagem clássica, o mais longe que fui em meu repertório. Foi uma passada que eu dei, rapidamente, nos confins do tempo”.


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E foram tantos os tempos lembrados nessa noite de lançamento. Como o da constituição do Teatro dos Sete, companhia que Fernanda fundou, em 1959, junto com nomes como Gianni Ratto, diretor italiano que morreu em 2005 e a quem a atriz se referiu como o grande responsável por sua formação como intérprete. “Ele nunca dizia um ‘está ótimo’, ‘muito bem’, ‘bravo’. Sabíamos que uma cena estava bem-feita quando ele passava para a próxima. Só quando fiz 70 anos é que ele fez uma declaração elogiosa que me botou nas alturas, e aquilo foi para mim como um diploma de altos estudos teatrais. Devo a ele o melhor que tenho de visão diante de um papel, pena que não esteja vivo para que eu lhe diga isso pessoalmente.”

“Foi uma devoção como nós vivemos o nosso teatro”

Assim, foi, também, uma noite de declarações e reconhecimentos. Ao lembrar que a maioria de seus parceiros da época do Teatro dos Sete já morreu, Fernanda Montenegro mais uma vez mostrou-se comovida, pausando sua fala e levando todo o teatro a também fazer silêncio por alguns instantes.

Fernanda montenegro Fernanda em 1963, em “A Morta sem Espelho”; crédito: Record TV

Então, dirigiu-se a Laura Cardoso, atriz que estava na plateia, como “a decana de todos nós”, para em seguida dizer que havia conversado dois dias antes com a atriz Nathalia Timberg, de 89 anos, nos seguintes termos: “Nathalia, você é a minha memória. Todos já se foram. Quando a gente se olha, sabe o que foi, foi uma devoção como nós vivemos o nosso teatro”.

Geração sagrada

Em um dos momentos altos de seu discurso, Fernanda disse que faria uma “reivindicação” de reconhecimento para si mesma e seus pares das antigas: “A nossa geração é sagrada”. E agradeceu à própria cidade de São Paulo, para onde se mudou, recém-casada, em 1954. “Foram aqui cinco anos de devoção ao palco, de entendimento da dramaturgia”, disse. “Saímos depois daqui levando uma fome de realização do teatro brasileiro. Tudo o que veio em seguida foi resultado daqueles cinco anos em São Paulo. Se não fosse por eles, eu não estaria aqui nem teria lançado este livro. São Paulo é um lugar muito especial neste país.”

“Fecham-se, aqui, 65 anos de vida pública sobre o palco”

Antes de iniciar uma longa sessão de autógrafos, no tablado mesmo do Teatro Sesc Anchieta, Fernanda Montenegro deu a dimensão de quão histórico se tornava o evento ali realizado. “Acho que hoje é o fim de um ciclo de vida, sem morbidez,”, afirmou. “E quis o destino que fosse em São Paulo: fecham-se, aqui, 65 anos de vida pública sobre o palco.”

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