O empreendedor Tom Almeida, 48 anos, passou semanas ensaiando como falar sobre a morte com o pai. Até que perguntou: “Você tem medo de morrer?” Esperou ansioso por uma resposta – e, com ela, veio uma grande surpresa.

Mas antes de contar a reação do pai, é preciso contar por que Tom tem tanto interesse no assunto. Há pouco mais de um ano, ele viu passar pela sua linha do tempo no Facebook um post que lhe chamou a atenção: a iniciativa Death Over Dinner (A Morte no Jantar, em português). Um primo estava com câncer e ele decidiu saber mais sobre o projeto.

Descobriu ser uma plataforma, desenhada por médicos e especialistas, com o passo a passo para organizar jantares cujo tema principal seja a morte. A proposta é trazer à tona discussões como medos e desejos para o fim da vida.

“As pessoas acham que conversar sobre isso é perder a fé. Elas fogem”, reflete ele. Mas, diz ele, falar sobre a morte permite descobrir alternativas – como os cuidados paliativos, que Tom só soube após mergulhar no site da Death Over Dinner e organizar jantares –, além de alinhar questões sobre conforto, desejos e dores.

E são as dores que motivaram a criação da plataforma nos Estados Unidos. Uma pesquisa havia indicado que três em cada quatro americanos preferiam morrer em casa. Mas apenas um realmente conseguia. Em parte, porque as pessoas não falam o que querem antes de ficar doentes.

Convite

Criada em 2013, a plataforma está em 20 países – incluindo o Brasil. A Morte no Jantar foi lançada por Tom, com o apoio dos criadores da iniciativa, no fim de setembro.

No site, o internauta escolhe, entre alternativas, quem quer convidar, qual é a intenção do jantar e que tipo de material para ler, ver e ouvir os convidados devem ter acesso antes do evento. Depois, preenche um campo com seu e-mail para receber uma mensagem com todo o roteiro, inclusive a sugestão de texto para enviar aos participantes.

A plataforma brasileira, no entanto, ainda passa por tradução. Nem todos os textos e vídeos estão vertidos para o português. “Estou fazendo com recursos próprios e faço a manutenção gratuitamente”, explica ele, que não descarta parceria para que o serviço permaneça sem custo para o internauta.

Entre versões para o português e aperfeiçoamentos do site, Tom ainda organizava voluntariamente jantares para grupos a cada 15 dias. “Foi tão forte que foi montado um grupo no WhatsApp para dar sequência à conversa”, conta a arquiteta e coach Dora Lima de Luca, 42 anos, sobre sua experiência em um evento organizado pelo empreendedor.

Ela foi convidada e chegou sem conhecer ninguém e também sem expectativas. Mesmo tímida, decidiu ser a primeira a quebrar o gelo e a falar sobre suas perdas: os “dois pais” – o biológico, que morreu quando ela era ainda muito pequena, e o padrasto, que a criou.

“Facilita falar sem estar em um processo mais doloroso”

“Teria sido legal conhecer [a proposta] um pouco antes”, diz ela. E explica: “Minha mãe está com câncer e teria lidado melhor com situações como ter alguém do cartório em casa”. Segundo ela, “facilita falar sem estar em um processo mais doloroso”.

Mas, para a filha de 12 anos de Dora, o jantar ajudou a criar um espaço de diálogo, não só dentro de casa, mas também dentro da escola. A turma havia recebido como leitura obrigatória “Os Meninos da Rua Paulo”, do jornalista húngaro Ferenc Molnár, sobre o conflito de jovens em Budapeste – e que inclui morte.

“Ela conversou com a coordenação e fizemos um questionário juntas, que foi distribuído para a classe. A maior parte dos meninos quer um espaço para falar sobre a morte”, conta Dora.

Surpresa do pai

Voltando à resposta do pai de Tom, que havia sido questionado sobre o medo de morrer. “Ele disse que não, mas que temia sofrer e ficar dependente”, recorda o empreendedor. O tema passou a fazer parte de conversas entre os dois.

Ter passado a falar sobre a morte fez diferença, segundo ele. “Antes de morrer, minha mãe ficou entubada, sedada. Não havia me despedido”, conta. Quando o pai ficou doente, cinco meses atrás, os médicos indicaram a ida para a UTI. O empreendedor rejeitou.

Olho: “Ele precisava de amor e carinho, de estarmos juntos”

“Ele precisava de amor e carinho, de estarmos juntos. Não sentia dor e, mesmo sem falar, a gente se comunicava. Dizia que o amava e pedia para ele apertar minha mão se houvesse entendido.”

A família só decidiu pela sedação quando, de fato, o pai passou a ter dor. “Ganhei dois dias e meio com ele.”

Para Tom, conversar sobre a morte quando todos estão bem traz também “consciência sobre as escolhas de vida”. “Não diminui o luto, mas faz com que ele seja mais íntegro – e não porque faltou algo ou por arrependimento. E as pessoas têm a possibilidade de morrer melhor.”

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