Meu papagaio morreu. Partiu ontem pela manhã, o que me deixou realmente muito triste. Gostava dele como se fosse o irmão que não tive e acho que ele também gostava de mim da mesma maneira. Sei lá, é estranho... não dá para explicar direito. O certo é que realmente existia uma coisa ali entre nós, homem-animal, um sentimento mútuo, de amizade, de carinho, de respeito. Uma coisa de pele, ou de pena, como preferirem. Eu confiava nele, ele confiava em mim, e isso nos bastava. Uma cumplicidade que só se consegue ter com um papagaio e só quem tem um papagaio em casa sabe do que eu estou falando e não me deixa mentir. E fique claro que tal cumplicidade seja algo secreto entre o papagaio e seu dono e não se comente nada com estranhos.

O fato é que não há mais papagaio, não existe mais o meu louro. Dele, só me restaram duras penas e a saudade que grita nos meus ouvidos todas as manhãs, assim como ele gritou nos últimos 15 anos. Gritou, não grita mais.

Quis sepultá-lo no jazigo da família, mas não me permitiram. Disseram que era um absurdo, que eu devia estar ficando louco. Como podem!? Ele era praticamente da família, mais presente e atuante do que muitos que ostentam nosso sobrenome, com direitos iguais a todos. Empecilhos me foram criados, milhões de argumentos surgiram – sociais e jurídicos. A batalha foi dura, até que alguém levantou uma questão que me deixou um tanto confuso e sem resposta:

“Digamos que nós decidíssemos colocar o papagaio no jazigo da família, com direito a enterro e a missa de corpo presente. Qual seria o nome a ser gravado na lápide?” 

Pausa para reflexão. Não me lembro de alguma vez alguém ter colocado um nome nele ou o chamado por algum apelido. Será que nunca foi batizado? Pobrezinho, morreu pagão! Se ainda estivesse vivo, eu agora o chamaria de Frank. Qual Frank? O Sinatra, é óbvio! Meu papagaio era dono do mais refinado gosto musical. Conhecia tudo, de Bach a Bono Vox, de Chiquinha Gonzaga a Mariene de Castro, passando pelo bom e velho rock nacional e se enveredando com muita propriedade pela bossa nova. Passava as tardes cantando os mais variados estilos musicais. Mas às sextas-feiras, fixava sua atenção às cantigas de fundamento dos terreiros de macumba. É que meu louro era iniciado no santo, filho de Oxóssi, orixá das matas, o bom caçador.

Também gritava por meu nome, tanto que ainda posso escutar seu chamado querendo me confidenciar coisas, contar seus segredos e ouvir os meus, dar-me conselhos e pedir por eles. Acho que nunca encontrei alguém que me entendesse melhor que meu pobre amigo, e eu a ele. Tínhamos a mesma linha de raciocínio, a mesma opinião, e quase nunca discordávamos. Mas se isso acontecia, as opiniões eram respeitadas!

No final das contas, acabou sendo enterrado aqui mesmo, no quintal da nossa casa, debaixo da goiabeira, sem direito a lápide ou missa de corpo presente. Sobre a goiabeira? Árvore boa, forte, de tronco largo e firme. Filha de Ossanha, orixá das folhas. Dá uma goiaba branca que é uma delícia, doce e sem bichos. E tem umas folhas bem verdinhas que, quando o vento bate e as faz dançar, esbarrando umas nas outras, é como se você escutasse a voz da goiabeira te confidenciando coisas…

Sabe, existe uma cumplicidade entre a goiabeira e seu dono que só quem tem uma goiabeira em casa sabe do que estou falando e não me deixa mentir. E que aqui fique claro que tal cumplicidade seja algo secreto entre a goiabeira e seu dono e não se comente nada com estranhos.

Compartilhe com seus amigos

Receba os conteúdos do Instituto de Longevidade em seu e-mail. Inscreva-se: