“Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.” A frase, de autoria incerta e muitas vezes atribuída a Getúlio Vargas, dá bem a medida do quão é importante cultivarmos relações amistosas ao longo da vida. Por sinal, são elas que muitas vezes nos dão o suporte mais confiável e presente nos anos de amadurecimento e envelhecimento. Uma boa razão, aliás, para convidar os mais chegados para celebrar o Dia da Amizade.

Afinal, os amigos podem ocupar um espaço que nem mesmo as relações de sangue preenchem na hora da necessidade, como avalia a terapeuta ocupacional Ana Paula Harada, especialista e mestre em gerontologia e coordenadora Institucional da Associação Comunitária Nossa Senhora do Carmo, que fica em Osasco (SP).

“Por mais que alguém tenha filhos, eles não configuram uma expectativa de cuidado na velhice”, afirma ela. “Quem, geralmente, mostra mais interesse na parte prática da vida do idoso são os amigos ou os vizinhos. Esses são os que mais se preocupam. Vejo casos em que é o vizinho de alguém que chama a atenção do assistente social para o estado de saúde dessa pessoa, dizendo, por exemplo, que ela anda muito esquecida ou algo assim. E é quem também vai com ela ao médico ou a acompanha em uma cirurgia.”


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As amizades nas fases mais maduras costumam ser ainda um bom caminho para descobrir novas motivações e possibilidades para a vida. “Você passa a se arriscar em atividades que não faria sozinho”, diz a especialista. “Conheço várias pessoas mais velhas que nunca tinham viajado para o exterior e que passaram a fazer isso juntas, geralmente em grupos de quatro.”

Os acadêmicos também têm se debruçado bastante sobre o tema. Estudiosos do mundo todo apontam para os benefícios à saúde física e mental proporcionados pela presença de amigos à volta. Um artigo publicado em março deste ano por PHDs americanos em gerontologia compila várias pesquisas relacionadas ao assunto. Em linhas gerais, elas confirmam a importância das amizades para a qualidade de vida no envelhecimento, inclusive sendo um fator fundamental para a conservação da capacidade cognitiva das pessoas de idade mais avançada.

Em uma dessas análises, coordenada em 2016 por dois pesquisadores da Universidade de Massachusetts, foi verificado que os relacionamentos com os amigos são mais importantes para a manutenção da saúde mental na velhice do que as relações familiares.

Amigos sob o mesmo teto

Em tempo, um aviso aos mais solitários: nunca é tarde para cultivar novos amigos. Mesmo porque, segundo o que Ana Paula observa em sua própria experiência na seara da longevidade, aquelas amizades que começam muito cedo na vida são raras entre os mais velhos – ainda pela razão de muitos dos conhecidos de infância, adolescência ou juventude acabarem tomando outras direções ao longo dos anos. Ou mesmo morrendo.

Mas ela também não se depara frequentemente com novas amizades estabelecidas depois dos 70 ou dos 80 anos – embora nada impeça que elas se deem após essas idades. Em geral, é na vida adulta que firmamos os laços mais duradouros. E que vão nos acompanhar na velhice – inclusive sob o mesmo teto.

“Vejo muita gente na faixa dos 40 ou 50 anos planejando uma moradia conjunta em idades mais avançadas”, afirma a gerontóloga. “É importante, de fato, que isso seja pensado com antecedência, num cenário em que as pessoas estejam em boas condições de saúde e também financeiras para traçar esses planos com tempo e cuidado.”

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Em sua percepção, os casos mais comuns de projeção de morada comunitária na velhice se dão entre mulheres solteiras. Mas não só. A jornalista Giovana Tiziani, de 39 anos, é casada e mãe de dois filhos, de 6 e 8 anos de idade. Mas, mesmo tendo constituído família, ela planeja envelhecer em comunidade, junto com um grupo de amigos.

“Quando eu tive que lidar com o final da vida da minha avó, me dei conta de que ela estava só”, conta Giovana. “Ela morava em Jaú e tivemos de trazê-la para São Paulo. Depois de viver um tempo com meus pais, ela foi para uma casa de repouso. Lá, tudo era arrumado, limpo, mas impessoal; nada era dela”, lembra. “Achei aquilo triste.”

Foi então que a jornalista começou a pensar sobre o próprio envelhecimento. “A gente, quando é jovem, guarda dinheiro para comprar a casa própria, mas depois todo mundo fala que quer passar a velhice viajando. Porém, quando se é idoso, viajar não é algo assim tão tranquilo, creio. Por que, então, não se planejar para ter uma espécie de casa de repouso própria, em que estejamos rodeados de pessoas com quem temos uma história?”

Ela diz que também pensa nos filhos quando arquiteta seu plano. “Eu não gostaria de ser um fardo para eles. A casa de repouso própria lhes daria a tranquilidade de saber que estaríamos felizes e, de certo modo, autônomos”, afirma.

Contudo, a operacionalização do intento precisa driblar alguns obstáculos. “Convencer todo mundo [do grupo de amigos] a poupar pode ser difícil”, avalia. “Penso que a localização ideal para a moradia seria algum lugar com cara de campo, mas perto de hospital bom. Algo como uma chácara em Valinhos [na região metropolitana de Campinas].”

A importância de comemorar o Dia da Amizade

Giovana levanta, então, pontos que também são destacados por Ana Paula Harada em relação a quem estabelece uma meta de vida como a da jornalista – entre eles, a situação financeira.

“Para que haja esse desejo de viver em comunidade, é preciso que as características econômicas e de renda dos envolvidos, além da história de vida, sejam parecidas”, afirma a especialista. “Uma pessoa não vai querer viver com alguém que seja muito diferente dela.”

A partir das reflexões apresentadas nessa matéria, é mais fácil entender a importância de comemorar o Dia da Amizade. Afinal, amigos são tudo, ou quase isso; são companhias para a vida – e das quais ninguém pode prescindir.

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