O tempo passou, surgiram leis para garantir acesso aos portadores de necessidades especiais e os prédios antigos das cidades brasileiras ingressaram na ilegalidade.

Uma das primeiras cidades do Brasil a despertar para o problema é Concórdia, 75 mil habitantes, no Oeste de Santa Catarina. “Estamos acelerando as obras de acessibilidade nas edificações municipais – escolas, parques, praças, prédios públicos – para podermos exigir que o setor empresarial se enquadre na legislação de proteção ao deficiente”, diz a jornalista da Secretaria de Comunicação da Prefeitura, Lana Correa Pinheiro.

Guerra do Contestado

Concórdia não é uma cidade comum, é especial: entre 1912 e 1916, suas terras – férteis – foram palco de um dos mais sangrentos conflitos da história do País, a Guerra do Contestado, de triste memória.

E é também a terra de grandes empreendedores, como foi Attílio Fontana (1900/1989), o fundador do frigorífico Sadia e da Transbrasil. Com a fusão da Sadia com a Perdigão (2009), a empresa fundada por Attílio daria origem à Brasil Food, hoje BRF, um gigante do setor alimentício mundial.

Eu estive em Concórdia duas vezes como repórter do Jornal da Tarde, a primeira em 1979 para cobrir um caso interessantíssimo: pela primeira vez no Brasil, um juiz de primeira instância mandava para a cadeia um motorista que atropelara e matara uma pessoa.

Debate acalorado

Como eu ia dizendo, vários edifícios antigos da região central, feitos para abrigar lojas comerciais, caíram na ilegalidade com a implantação de leis (estatuto dos deficientes, entre outras) que obrigam o acesso a portadores de necessidades especiais.

Surgiu um impasse: de um lado, o comércio começou a enxergar um cenário de crise com a impossibilidade de manter lojas com enormes degraus na porta (muitos prédios foram projetados com degraus para evitar prejuízos com as enchentes do Rio Queimados) e de outro, a Prefeitura exigindo o enquadramento de todos na lei.

Lojas em Concórdia, Santa Catarina

Outra característica de Concórdia (que é de toda Santa Catarina, com origem na colonização europeia) é a alta representatividade das entidades de classe: e foi assim que entrou no debate o vice-presidente da Fiesc-Federação das Indústrias de SC, Álvaro Luis de Mendonça.

“Não existe problema insolúvel quando todas as partes se esforçam para achar uma solução”, diz Álvaro, elogiado pelo “seu empenho no assunto”.

Trabalhar com os interessados

Puxadas pelo Sinduscon- Sindicato da Construção Civil, as reuniões se repetem com frequência para tratar da acessibilidade do comércio, reunindo lideranças da Fiesc, da Prefeitura, do CREA-Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, Bombeiros (Militares e Voluntários), CELESC (estatal de energia de SC) e – aplausos ! – a famosa Associação Águias de Basquete sobre Rodas, formada pelos cadeirantes de Concórdia.

Reunião em Concórdia, Santa Catarina.

Agora, pelas palavras de Álvaro Luís Mendonça percebam o alto nível da discussão: “A intenção é criar um Comitê, envolvendo todas as pessoas impactadas pela legislação, principalmente aquelas que possuem algum tipo de deficiência, e discutir quais as ações que são necessárias para melhorar a acessibilidade segundo o olhar delas mesmas”.

O presidente da Associação Águias, Edson Dal Pizol, tem participado das reuniões e parece já ter abandonado o ceticismo típico das pessoas que enfrentam os problemas de acesso no país para falar com entusiasmo do debate: “É importante que esse grupo, que está se formando, abrace a causa da acessibilidade. Acredito que precisamos avançar muito nesse aspecto”.

Contrapartida na internet

Tanto Álvaro quanto Dal Pizol acharam interessante a minha sugestão de incrementar o acesso à Internet das pessoas com necessidades especiais como contrapartida do comércio e da indústria à eventual impossibilidade de criar acessibilidade nos edifícios antigos.

Cheguei a falar com uma das coordenadoras do movimento Web para Todos, Suzeli Rodrigues Damaceno, que me escreveu: “Estou à disposição para explicar às pessoas envolvidas na bela iniciativa como poderia ser feito o projeto de adequação dos sites das entidades e das empresas associadas de acordo com as diretrizes de acessibilidade digital. Seria mesmo muito legal que eles abraçassem essa ideia!”

Primeiros resultados

Os resultados das reuniões começam a aparecer: já está criado um comitê permanente para debater ideias e soluções para melhorar a acessibilidade no município e, na última reunião, ainda em dezembro, o secretário municipal de Gestão Urbana da Prefeitura de Concórdia, Elton Polina, disse que já foi encaminhado projeto à Câmara de Vereadores, prorrogando por um prazo maior a validade dos alvarás, para dar mais tempo para a comunidade encontrar alternativas.

Enquanto isso, Concórdia avança em acessibilidade: a cidade já tem nada menos de 43 parques infantis em praças públicas com balanços e escorregadores acessíveis; a acessibilidade passou a fazer parte, intrínseca, de todas as novas obras, do calçadão central às escolas, ao teatro.

Parque acessível em Concórdia, Santa Catarina

“Nada mais natural que o nosso prefeito, Rogério Luciano Pacheco, tenha sido reeleito, pois suas preocupações com acessibilidade foram um ponto forte da 1ª gestão. Por exemplo, recebemos todas as escolas com problemas de acessibilidade e estamos, aos poucos readequando-as", comenta a jornalista Lana Correa Pinheiro.

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