Ufa! Chegamos, ao que parece, ao fim da longa travessia, embora os idosos e portadores de comorbidades ainda precisem de mais algumas semanas de cuidados especiais!

Como diria o caboclo, “é pra frente que o carro canta!”, e eu exorto a todos, meus queridos leitores, que temos de aproveitar tudo o que essa crise planetária nos ensinou para seguir adiante com mais segurança e conforto.

Que tal, por exemplo, começarmos a acelerar o processo de inclusão das pessoas com necessidades especiais na internet?

A ideia me veio de uma reflexão neste confinamento: se para quem como eu, que pode usar o computador para receber informação, escrever, participar mais intensamente da vida social e política, suportar dois ou três meses a fio de confinamento chegou  a ser insuportável, imagine para quem é portador de uma deficiência grave e que não tem acesso à internet ?

Barrados no baile

Foi com esse raciocínio que eu liguei para minha amiga Simone Freire e a entrevistei. Conversamos por mais de uma hora numa espécie de mergulho no oceano da indiferença e da perversidade da sociedade moderna que ainda ignora, olimpicamente, as pessoas que, por força de uma limitação física, são barradas na porta do baile onde se dança a valsa das conexões humanas, a web ou simplesmente a internet.

Simone e sua parceira, também minha amiga, Suzeli Damaceno, jantam e almoçam inclusão.

Dominam como ninguém as tecnologias inclusivas. É comovente ver o entusiasmo das duas diante da missão portentosa de tornar inclusivos os milhões de sites nacionais:

A entrevista

Simone, dimensione um pouco o desafio que o Web para Todos tem pela frente: quantos sites já existem no Brasil e quantos já são inclusivos?

No Brasil, conseguimos mapear bem o cenário numa pesquisa realizada no ano passado (2019) em parceria com a BigData Corp. e o W3C Brasil. O estudo varreu os mais de 14 milhões de sites ativos do Brasil e concluiu que menos de 1% passou nos testes de acessibilidade.

Nem os sites do universo governamental são inclusivos?

Sites governamentais – que possuem ".gov.br" no domínio – também foram analisados: apenas 0,34% foram aprovados. Isso significa que 99,66% dos portais de prefeituras, estados ou ministérios, por exemplo, não estão completamente acessíveis.

Que horror, não !? Mas me conte Simone, o que é o Web para Todos e como vocês trabalham ?

O propósito do Movimento Web para Todos é mobilizar, educar e transformar a sociedade para a construção de uma web acessível a todas as pessoas. Ele foi idealizado por mim em 2017, ano em que fundei também  a Espiral Interativa, agência especializada em comunicação inclusiva, em parceria com o W3C Brasil, consórcio internacional que desenvolve padrões para a web em todo o mundo.

Como é o trabalho de vocês ?

O Movimento promove, por meio de sua plataforma online, o compartilhamento de experiências, a troca de conhecimento técnico e a oferta de ferramentas que auxiliam na construção de sites e apps acessíveis. Também realiza oficinas de capacitação e produz relatórios técnicos sobre acessibilidade na web. A iniciativa conta com o apoio de parceiros estratégicos e um grupo de voluntários especialistas em acessibilidade. A missão é disseminar dados qualitativos para a sociedade e criar, futuramente, parâmetros comparativos de acompanhamento da transformação digital.

Quais são os resultados já alcançados ?

Cerca  de 10 mil profissionais, os desenvolvedores, foram  impactados diretamente e mais de 250 empresas foram sensibilizadas presencialmente. Parece pouco diante do grande desafio que temos pela frente, mas já percebemos com clareza que estamos conseguindo fazer a roda da inclusão girar.

De imediato, qual estratégia de aceleração do movimento, ou seja, quais os pontos que precisam ser vencidos para tudo caminhar mais depressa?

Coisas simples, como acessar aplicativos de relacionamentos, consultar preços e entrar na conta bancária podem ser feitas com o celular ou no desktop, mas algumas dessas tecnologias são excludentes para pessoas com deficiência ! O mundo digital precisa derrubar as barreiras de navegação para melhorar o acesso de todas as pessoas.

E as ferramentas, Simone ? Já é possível prover a inclusão a todos os tipos de necessidades especiais?

A experiência de navegação apresenta variáveis, já que cada pessoa com deficiência tem uma necessidade diferenciada. Pessoas com cegueira ou baixa visão frequentemente utilizam softwares de leitura de tela, enquanto usuários que possuem mobilidade reduzida, por exemplo, navegam por meio dos botões do teclado ou por comandos de voz. Nesse sentido, são considerados sites acessíveis os que têm linguagem HTML compreensível para esse tipo de tecnologia. Já para pessoas com surdez ou deficiência auditiva, uma alternativa para deixar os portais mais acessíveis são ferramentas que traduzem o português para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Um dispositivo famoso nesse ramo é o Hand Talk, que usa Inteligência Artificial para converter textos e áudios do português para LIBRAS.

Como deixar os sites mais inclusivos?

Há algumas ferramentas no mercado que ajudam a tornar os sites mais acessíveis em alguns aspectos, como Hand Talk (tradução para Libras em tempo real) e Audima (transforma áudio em texto). Mas é importante destacar que acessibilidade digital é um trabalho em três frentes: programação, design e conteúdo. Essas três áreas precisam trabalhar juntas para tornar um site acessível e ainda não há nenhuma ferramenta que faça esse trabalho de modo automático.

Além da questão humanitária, quais as outras razões para tornar a Web mais acessível?

Precisamos levar em consideração que no Brasil há cerca de 45 milhões de pessoas com deficiência, 24% da população, que precisam de mais acesso à web. Essas pessoas também querem consumir, estudar e se divertir no meio digital. Há um mercado potencial enorme aqui.

E o setor empresarial, como pode contribuir, já que será um dos grandes beneficiados?

O mais importante é ampliar conhecimento sobre o assunto e ouvir mais as pessoas com deficiência - trabalhar com elas e nunca para elas - para entender quais são as barreiras que enfrentam no digital. E isso tem que ser puxado pela direção das organizações para que a acessibilidade de seus canais digitais se torne prioridade.

A inclusão está prevista em lei, certo?

Sim, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) possui um artigo específico que estipula que todos os sites brasileiros sejam acessíveis. A determinação está válida desde janeiro de 2016, mas o que falta é conhecimento sobre a lei !

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