“A iluminação não está no destino e sim no caminho”, reza a sabedoria oriental.  A procura, o ato de se lançar em direção ao desconhecido, a viagem sem destino certo, o caminhar pelos desvãos de nossa alma, são signos da busca pelo conhecimento e pela iluminação.

Os peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela conscientemente buscam o autoconhecimento.

Nos Estados Unidos dos anos 50, os malucos e pirados da geração beat, ao se lançarem à estrada, inconscientemente buscavam se libertar de uma sociedade sufocante, opressora e conformista, tendo o jazz e a marijuana como principais itens da bagagem.

Os caminhoneiros e motoristas por profissão, os mochileiros e caronistas pela aventura, os apaixonados à procura do amor, os turistas de olhos bem abertos, os negociantes e os trabalhadores, os artistas em busca de público e pão, todos têm a estrada como uma metáfora da vida, seja ela de asfalto, de terra ou de ferro, seja seu leito formado por águas doces ou salgadas.

As canções de estrada têm esse espírito e esse sentido, e são encontráveis em todos os cancioneiros. São muitos os exemplos na música brasileira, tão diversos quanto merecem a vastidão e as peculiaridades de um país multifacetado, de pessoas e costumes tão diferentes. As contradições, os antagonismos, as lendas e histórias dos viajores em busca de um novo mundo, serão sempre atributos da canção estradeira.

BYE BYE, BRASIL – CHICO BUARQUE

“Bye Bye, Brasil”, de 1980, demonstra, com sobras, a habilidade que Chico Buarque tem para contrapor humor, melancolia e drama em suas canções. Essas características estão exemplarmente ressaltadas na história que narra as aventuras e desventuras de um caminhoneiro pelo Brasil profundo, bem diferente do país fictício que se vê na TV, onde saudade, perplexidade, resignação e esperança se fundem e confundem a todo instante. A dona infeliz com um tufão nos quadris, o calor e o sol inclementes, a possibilidade remota e quase irreal de mudar de vida, o retorno para casa que é pura miragem e a hilária cena do orelhão e do "japonês trás de mim", ainda à época das fichas telefônicas, são algumas imagens dessa típica canção da estrada.

"Bye Bye, Brasil" foi a única canção do Chico composta em parceria com o incansável Roberto Menescal, um dos maiores músicos brasileiros. Um produto musical tão bem feito que uma única canção foi suficiente para consagrar definitivamente uma parceria tão harmoniosa.

RIO-BAHIA – SÁ & GUARABYRA

Em 1971, Luis Carlos Sá e José Rodrigues Trindade, cariocas, e Guttemberg Guarabyra, baiano, formaram o trio “Sá, Rodrix e Guarabyra” que lançou dois discos de “rock rural”, um rótulo que remetia às canções folk americanas. Independente da precisão ou não do rótulo, os discos “Passado, Presente e Futuro” e “Terra” eram ótimos e foram os embriões das canções estradeiras que acabaram por caracterizar grande parte da carreira de “Sá & Guarabyra”, dupla definitivamente consolidada em 1973 após a saída de Zé Rodrix.

Viajantes contumazes, Sá e Guarabyra viveram aventuras de vida e música por todo o Brasil, criando canções extremamente pessoais e autobiográficas. “Rio-Bahia”, música lançada em 1997 para comemorar os 25 anos de carreira da dupla, é um exemplo muito bem acabado da canção de estrada, vivencial, emotiva e verdadeira.

A ESTRADA E O VIOLEIRO – SIDNEY MILLER E NARA LEÃO

Esta canção recebeu o prêmio de Melhor Letra do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. É construída em dois andamentos, uma modinha e um baião acelerado, e tem a estrutura que encantava as plateias da época, contrapondo a dolência da canção calma à aceleração propícia à catarse coletiva. O diálogo muito bem construído entre o violeiro e a estrada, esta interpretada com a suavidade da inesquecível Nara Leão, é a moldura para a apresentação da figura típica do menestrel que vive na estrada, cantando e tocando em troca de pão e abrigo. O carioca Sidney Miller foi também produtor musical e compositor de trilhas para cinema e teatro. Sua viagem terminou em 1980, aos 35 anos, em condições até hoje não muito bem esclarecidas, provavelmente vitimado por uma parada cardíaca.

 TREM DE LATA – ALMIR SATER

Cantor, compositor, ator e grande violeiro, o mato-grossense Almir Sater descobriu seu instrumento preferido logo aos cinco anos. Na adolescência enveredou por outros caminhos, chegou a estudar Direito no Rio de Janeiro, mas a paixão pela música e pela viola foi mais forte. Criador de harmonias intrincadas e diferentes afinações para a viola, seu estilo é uma mistura de muitas influências, desde a música árabe tocada pelo avô até às polcas, guarânias e chamamés, gêneros muito comuns no centro-oeste brasileiro. “Trem de Lata” é uma canção estradeira que evoca a distância entre os amantes e a saudade amenizada pela esperança da viagem do reencontro. Destaques especiais para a viola de Sater e o baixo do excelente músico Pedro Ivo.

MATITA PERÊ – TOM JOBIM

A história do fugitivo João embrenhando-se pelas terras de Minas Geraes é a idéia central de “Matita Perê”, uma das canções mais emblemáticas de Tom Jobim. A letra de Paulo César Pinheiro é baseada em idéias do próprio Jobim sobre uma profunda viagem de final trágico. A grande referência da canção é o mítico sertão de Guimarães Rosa. “Matita Perê é um passarinho que gosta do ermo”, explica Tom. “No verão, canta de noite e tem o poder mágico de sumir do lugar onde está o seu pio”. Reza a lenda, muito conhecida no Norte e Nordeste brasileiros, que seu pio desnorteia os viajantes que acabam por perder o rumo. “Matita Per&eci rc;” é, por excelência, uma maravilhosa canção estradeira.

 NA CARREIRA – CHICO BUARQUE E EDU LOBO

Convidados a compor a trilha sonora do balé “O Grande Circo Místico” do Ballet Guaíra de Porto Alegre, espetáculo baseado na obra homônima do poeta Jorge de Lima e dirigido por Naum Alves de Souza, Edu Lobo e Chico Buarque criaram um dos mais extraordinários conjuntos de canções da música brasileira de todos os tempos. O respectivo disco, de 1983, tem participações especiais de Milton Nascimento, Gal Costa, Zizi Possi, Gilberto Gil, Tim Maia, Jane Duboc e Simone, e conta a história de um grupo de artistas de circo que vive viajando mundo afora. “Na Carreira”, tema que encerrava o espetáculo e também o disco, é uma emocionada ode aos artistas estradeiros que têm um compromisso primordial com a arte e o encantamento.

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