“A tatuagem não sai, vó”, diz Fernando. Mas Nilva Aguzzoli não se convence com a explicação – exatamente porque a imagem que tinha no pé com as iniciais de seu nome haviam desaparecido. Ele ri, questiona novamente e sugere que ela faça uma com F, já que é o neto mais velho. Ela rebate: “F?” Sim, a avó havia esquecido o nome dele...

E o que tinha todos os componentes para ser um grande drama, já que o Alzheimer começava a deixar suas marcas, se transforma em piada. Os dois caem na gargalhada – avó e neto. Foi assim durante seis anos. Fernando Aguzzoli largou o segundo ano da faculdade de filosofia para cuidar da avó, Nilva, enquanto a doença evoluía.

O amor dos dois ganhou vídeos na internet, posts em redes sociais e páginas de um livro, “Quem, Eu?”, escrito por Fernando e lançado em 2014. “Quando as pessoas perguntam como foi meu luto, eu digo que não tive. Porque eu continuo vivendo essa relação todos os dias. Continuo falando dela, o que me traz grande alegria”, conta ele, hoje com 24 anos, sobre a morte da avó naquele ano.

A relação rendeu bons momentos e um novo norte à trajetória de Fernando. “A vó Nilva me deu um direcionamento de vida, completamente diferente do que tinha antes. Eu quero trabalhar com idosos. Quero fazer disso a minha história”, diz ele, que lança neste mês seu segundo livro, desta vez voltado ao público infantil, “Vovô É um Super-herói”.

Imagem do livro “Vovô É um Super-herói”, de Fernando Aguzzoli; crédito: divulgação

A obra é inspirada em outra figura marcante de sua infância, o avô paterno, Ari. “Tenho lembranças lindas dele. Ele morava na praia e vinha ficar com a gente. Para mim, eram os melhores dias da semana quando ele estava lá”, recorda.

Juntos, brincavam de robô – o avô saía pela casa com o andar duro, como se fosse uma máquina – e de heróis, na qual vestiam capas com superpoderes.

As páginas do livro, ilustradas pelo designer argentino Juan Chavetta, trazem as aventuras de avô e neto contra seres mágicos, como fada e duende. E contra um bicho peludo, com dentes pontudos e olhos fixos, o Alzheimer.

“Quis desenvolver uma ferramenta para tratar desse esquecimento entre pais e filhos. O livro explica que a relação pode e deve continuar existindo. Esse avô pode continuar com a relação com o neto que ama”, pondera ele, acrescentando que a distância “não traz nenhum benefício” e que “a criança não julga o idoso, ao contrário do adulto”.

Em “Vovô É um Super-herói”, avô e neto lutam contra o bicho do Alzheimer; crédito: divulgação

Fernando conta que se condicionou a encontrar pontos positivos no Alzheimer porque “poderia passar por isso de forma mais leve”. Para a avó, diz ele, a doença deu a oportunidade de uma segunda infância. “Ela gostava muito de estudar, de brincar, mas muito cedo teve que trabalhar, porque era de uma família muito pobre e passou pelo assassinato brutal do pai.”

Na nova fase, teve bonecas, se vestia como queria, viajou e esqueceu as dificuldades da vida. “Ela perguntava para mim: ‘Onde está meu pai?’. Eu tinha uma escolha. Ou dizia que ele havia sido assassinado, o que traria tristeza profunda, ou que estava em casa, e ela sorria”, explica.

Alegria parecia ser a marca registrada dos dois. Como quando ela o chamava pelo nome do cachorro. Ou como quando ele comprou uma lâmpada nova – e a fez acreditar que ela acendia e apagava batendo palma.

Ela lia os livros de Harry Potter e de O Senhor dos Anéis para conversar com ele. E ele assistia a filmes clássicos, como “...E o Vento Levou”, para comentar com ela. “Nós tínhamos sempre algum assunto. É importante que avós e netos procurem um pouco desse intercâmbio. ‘Do que minha avó gosta?’ ‘Do que gostou a vida inteira?’ ‘Como a gente pode adaptar isso para o interesse dos dois?’.”

De alguma forma, ele conseguiu realizar o sonho de Nilva. Todas as tardes, conta, eles assistiam a um DVD do violinista holandês André Rieu, gravado em um palácio na Áustria. “É um concerto maravilhoso, eles dançam uma valsa linda. Ela chorava e dizia: ‘Um dia, a vó vai ganhar na loteria e vai te levar lá’.”

Neste ano, ele conseguiu ir. “Levei um livro [“Quem, Eu?”], gravei um vídeo para a minha mãe contando um pouco dessa história. Agradeço muito ela por ter realizado esse sonho dela.” E finaliza: “Sou muito persistente e simples. Ganhei isso dos meus avós. De forma alguma queria perder isso. Os avós são um grande presente para nós”.

SERVIÇO

“Vovô É um Super-herói”

Autor: Fernando Aguzzoli
Ilustrador: Juan Chavetta
Editora: Saber & Ler
Quanto: R$ 35

Compartilhe com seus amigos