A vida imita a arte, já dizia Oscar Wilde, mais do que a arte imita a vida. Talvez o mais sensato seja dizer que ambas se relacionam em uma via de mão dupla, na qual a pegada da vez é se reinventar. Com o aumento da longevidade da população, torna-se mais comum o surgimento de artistas veteranos como protagonistas em tramas que procuram acompanhar e refletir os movimentos que essa nova sociedade realiza fora de palcos e telas.

Um bom exemplo de renovação na carreira artística que espelha os atos da realidade é o de Edson Celulari, 60 anos. Quando mais jovem, o ator representava sobretudo o galã conquistador das mocinhas. É possível dizer que seu protagonismo recente, tanto no cinema como na TV, vai bem além de uma análise mais simplista das aparências, o que também marca sua evolução profissional e em termos da representação social que lhe cabe além do mundo do faz de conta.

Nas telonas, Celulari vive um pizzaiolo com deficiência visual em “Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos”, dirigido por Paulo Nascimento e que estreou nos cinemas em maio deste ano. Na telinha, está na novela “O Tempo Não Para”, da Globo, como Dom Sabino, empresário da época do Brasil Imperial que, de repente, se vê em pleno século 21. A profundidade dessas personagens, que tocam em temas como o da inclusão, evidencia que o repertório dramático do intérprete não se restringe aos suspiros que sua mocidade provocava.

Velhos papéis, novas roupagens

O título da trama global soa até como obviedade, mas é necessário complementar que, embora o tempo não pare, sua passagem desperta novas possibilidades para os grisalhos. Bete Dorgam, professora da EAD-ECA-USP (Escola de Arte Dramática da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), frisa que, no teatro, velhos papéis têm ganhado rejuvenescidas roupagens na pele de artistas que, veteranos, mostram-se no auge da forma nessas interpretações.

Aos 53 anos, Denise Fraga é o corpo e a alma da milionária Claire Zachanassian em “A Visita da Velha Senhora”, peça escrita pelo suíço Friedrich Dürrenmatt em 1956 e que está em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, até 30 de setembro. Ao seu lado nesse espetáculo brilha o ator Tuca Andrada, que, também aos 53 anos, figura entre os destaques do elenco da novela “Segundo Sol”, da Globo.

Denise Fraga Denise Fraga em “A Visita da Velha Senhora”, em cartaz em São Paulo até 30 de setembro; crédito: Cacá Bernardes/Divulgação

O fato é que os papéis de quem passou dos 50 anos se ampliaram, na vida e na encenação dela. “Quarenta ou cinquenta anos atrás, as pessoas chegavam aos 60 anos tendo cumprido seu papel social”, afirma Humberto Silva, 55 anos, professor de filosofia e ética da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).

 “A velhice, hoje, é exposta pela arte de uma maneira muito mais aberta”

“A vida ativa não era valorizada depois dessa idade, e isso mudou totalmente. Assim, busca-se também uma nova linguagem para se comunicar com esse público e quebrar preconceitos em relação ao idoso. A velhice, hoje, é exposta pela arte de uma maneira muito mais aberta, com um discurso de afirmação das pessoas mais maduras.”


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Se, já em 1957, o cineasta sueco Ingmar Bergman, que faria 100 anos em 2018, coloca no foco principal de um de seus grandes filmes, “Morangos Silvestres”, um professor de medicina aposentado que viaja para receber um prêmio pelos 50 anos de sua carreira e, nesse trajeto, debruça-se sobre o passado diante do temor da morte, pode-se dizer que as produções artísticas contemporâneas reservam um olhar mais dinâmico e ligado no presente e no futuro aos personagens mais maduros.

Um filme recente – lançado em dezembro de 2017 – que, de alguma maneira, dialoga com o de Bergman é o americano “Lucky”, último trabalho do ator Harry Dean Stanton, que morreu em setembro do ano passado, aos 91 anos, e ganhou fama por sua participação em longas como “Paris, Texas” (1984).

No longa, com direção de John Carroll Lynch, ele interpreta um nonagenário que, além de tecer considerações sobre o passado, importa-se muito em viver bem o presente, entre fumar – vício do qual não abre mão –, andar pela pequena cidade em que mora, papear com os amigos e fazer palavras cruzadas. Isso tudo em paralelo a questionamentos sobre a finitude, que chegam principalmente depois que ele sofre um desmaio.

Surgimento de temáticas

A própria discussão de problemas ligados ao envelhecimento tem conquistado mais espaço nos roteiros do teatro, do cinema e da TV. Vale lembrar, aqui, de filmes que abordam o Alzheimer, caso do brasileiro “Antes que Eu Me Esqueça”, lançado em maio deste ano, dirigido por Tiago Arakilian e estrelado pelo ator José de Abreu, 72 anos – que também está na novela “Segundo Sol”.

A trama do longa-metragem fala de um juiz aposentado que, ao perceber os primeiros sinais da doença, resolve investir seu dinheiro em uma casa de strip-tease. Ao buscar a aprovação dos filhos para essa empreitada, o personagem nos sinaliza, mais uma vez, que vida e arte, no que diz respeito a questões da maturidade, têm se apresentado, mais do que nunca, inseparáveis.

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