A atriz Nathalia Timberg, 87 anos, esperava para repassar o texto de um evento, quando disparou: “O que você acha de uma bolsinha lacrada, dentro de uma bolsa de grife, como forma de arrecadar fundos para o Retiro dos Artistas?”.

A estratégia para ajudar financeiramente a instituição que acolhe artistas aposentados já está pronta: quem pedir uma selfie é convidado a contribuir em um cofre lacrado, que seria aberto apenas por pessoas autorizadas. Ela cita o nome de colegas que ainda não sabem da proposta, imaginando que poderiam aderir à iniciativa. “Só falta a grife que fará a bolsa.”

Esse não é seu único plano. Ela, que está em cartaz com a peça “33 Variações”, em São Paulo, sinaliza que tem mais projetos para o teatro, mas não dá detalhes. Na entrevista concedida ao Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, critica a qualidade da educação e a imposição do mercado por intervenções estéticas, como botox e plásticas, a pessoas mais velhas. “É absurdo”, reflete. E completa: “Esteticamente, nós estamos perdendo o bom senso.”

Como é seu projeto do Retiro dos Artistas?

Um retiro como o que temos no Rio é raro, incrível. Mas, como tudo o que é raro, incrível, ótimo – todos os adjetivos que você possa colocar –, é abandonado pelo poder público. Para lá vão as pessoas enquanto ainda estão trabalhando, mas principalmente quando estão aposentadas – atores, técnicos, jornalistas, músicos. Ele passa por extrema dificuldade.

Hoje em dia existe aquele aparelhinho, o celular, que agregou uma câmera. Todo mundo tem e quer uma selfie. Eu tenho a maior boa vontade. Então, achei que poderia ter uma bolsinha escrita Retiro dos Artistas e, quem quisesse uma selfie, teria que dar uma colaboraçãozinha. Não sei se isso vai colar, porque ainda não falei com os meus colegas. Mas eu acho que sim.

Carregar uma bolsa selada – quero ver se tem uma grife que possa fazer para a gente –, que só tem entrada e é numerada. Depois, cada um entrega a sua, é feita a abertura, a contagem e o registro.

“A grande maravilha no teatro é que é um convite permanente ao estudo. Cada autor, cada peça, cada personagem é um universo que se abre”

Qual é a diferença entre atuar nos anos 40 e hoje?

Existe uma diferença radical: não havia televisão. Você dividia o interesse do público entre o cinema e o teatro. A televisão foi um diferencial que foi tomando conta com o passar dos anos.

Alguma coisa também mudou: a formação do brasileiro. Havia uma maneira de estudar mais aprofundada. Ele tinha que recorrer a livros, fazer estudos mais comparativos, formar suas próprias ideias a respeito do que ele absorvia.

E, se hoje em dia eu tenho reconhecimento dentro do meu trabalho, acho que foi pelo tipo de abordagem que eu sempre fiz nele. A grande maravilha no teatro é que é um convite permanente ao estudo. Cada autor, cada peça, cada personagem é um universo que se abre.

O que atores da geração da senhora têm de mais importante para ensinar quem está começando?

Procurem estudar e conhecer a nossa língua, que é seu instrumento de trabalho. Hoje em dia, os atores esquecem que são intérpretes. Esquecem que têm de lidar com um texto de Plínio Marcos e com outro de Machado de Assis.

Na inauguração do teatro que leva seu nome no Rio, neste ano, o sra. disse: “Já chorei, sangrei, mas ainda há muita emoção represada. Ainda está represada?

Acho que vai me acompanhar para sempre. É inacreditável para um ator o que aconteceu comigo. Nomear um teatro é nomear aquilo que você professa. Como você dimensiona isso? Há como responder? Não. Porque todas as minhas palavras, no momento que elas vêm para tentar dar a ideia, elas soam frágeis.

“Você fica tensa [ao entrar no palco]. Existe uma insegurança sempre. Que é boa”

O entrar no palco hoje é diferente do entrar no palco no começo da carreira?

Sempre é outra coisa. Toda vez que você entra num universo novo, fica pensando se vai atingi-lo. Você fica tensa. Existe uma insegurança sempre. Que é boa.

Qual é seu sonho profissional?

Eu não sonho fazer personagem. Eu sonho em fazer alguma coisa que mexa. Uma peça que tenha algo a dizer.

Como ter 87 anos impacta seu trabalho?

A soma do que eu pude absorver na vida, em todos os sentidos, me dá dividendos. Fisicamente, às vezes, ela me diz: “Opa, opa, calma”. Mas eu habituei a fazer uma série de coisas ao mesmo tempo. Não é agora que eu vou parar. Não me vejo fazendo outra coisa também. Procuro fazer o que eu posso fazer de melhor com essa vida que me foi dada.

Ter 87 anos, prêmios e toda essa trajetória te dá a possibilidade de escolher o que quer fazer? 

Não. Nem sempre você pode fazer o que você quer. Porque às vezes não é inteligível às pessoas as quais você vai se dirigir.

“Houve um tempo que as pessoas estavam sem conseguir trabalho. Foi muito sério esse momento. Passou. Errei, perdão. Devo usar um gerúndio”

O Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, proibiu sites de colocarem idade dos atores por causa do preconceito...

Já aconteceu um problema muito sério aqui. Claro que você tem que ter uma imagem agradável. Claro que há coisas que precisam ser corrigidas. Mas essas senhoras [estica o rosto com as duas mãos] com cara de botox, que não mexe... É absurdo.

Houve um tempo que as pessoas estavam sem conseguir trabalho. Foi muito sério esse momento. Passou. Errei, perdão. Devo usar um gerúndio.

O preconceito tende a acabar?

Não sei até que ponto o mercantilismo vai acompanhar as tendências. Se a sociedade tiver alguma forma de melhorar um pouquinho, talvez isso acabe. Todo mundo hoje em dia [está] fazendo botox, botando silicone na frente, atrás, mulher, homem. Esteticamente, nós estamos perdendo o bom senso.

Até que ponto essas pessoas mais velhas que estão na TV e fazem botox não são vítimas?

São. Porque é o que está sendo exigido. Elas têm medo. Daqui a pouco, vão perder papel. São vítimas. Voltamos ao começo do nosso papo: formação.

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