Em 1979 eu e mais três fotógrafos, Nair Benedicto e os irmãos Delfim e Juca Martins, fundamos a Agência F4 Fotografias. Por sua composição acionária e proposta de trabalho, foi uma iniciativa bastante disruptiva para a época. Durou 10 anos e se propunha ser uma alternativa de jornalismo independente não apenas para os sócios, mas também para os que, com o tempo, foram se agregando ao projeto da agência. Nossa inspiração foram as agências francesas, em especial a Magnum, que tinha como sócios fundadores nomes como Robert Capa e Henri Cartier Bresson. Fizemos história. Com o passar dos anos viramos uma espécie de cooperativa e chegamos a ter mais de trinta participantes, todos com os mesmos propósitos: independência, autofinanciamento e liberdade para produzir suas pautas.

Nos concentrávamos em fazer reportagens fotográficas que retratavam a efervescência política e social daquele período. Havia um vácuo na cobertura que era feita pela grande imprensa e foi justamente este espaço que passamos a ocupar. Atrás de nós surgiram algumas iniciativas com propósitos semelhantes, mas nenhuma foi tão longe como a Agência F4. Tínhamos um sistema muito peculiar de gestão, bastante clareza quanto a linha editorial e um engajamento político que nos dava credibilidade e respeito.

Por conta desta atuação, em muitas ocasiões ficamos em evidência e consequentemente chamávamos atenção dos órgãos de segurança. No mesmo ano que abrimos a F4, assumia a presidência do Brasil o General João Batista Figueiredo, último militar a comandar o Brasil, que dizia gostar mais de cavalo que gente. Figueiredo deu início a um processo, lento e gradual, de distensão que possibilitou o surgimento de alguns movimentos sociais, que haviam sido duramente reprimidos pelos militares por muitos anos. A partir de 79 tivemos as primeiras greves dos metalúrgicos do ABC paulista, o movimento Diretas Já, o movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita. Existia um ambiente propício para quem se dispusesse a trabalhar como nós, mas ainda havia muita apreensão e uma certa paranoia.

Nos anos seguintes consolidamos nosso negócio, aproveitando todas as oportunidades que surgiam neste cenário. Isto nos colocou em evidência e consequentemente surgiram algumas ameaças veladas por parte de políticos e autoridades policiais. Certa vez, por medo de haver uma batida policial na agência, levamos todos nossos negativos para serem guardados em um lugar seguro. Muitas vezes tínhamos a desconfiança que estávamos sendo vigiados, entretanto, exceto por alguns episódios esporádicos, nunca tivemos uma evidência concreta da suspeita.

Passados quase quarenta anos, no último dia 9 de dezembro, um sobrinho, pesquisando o arquivo nacional para sua tese de doutorado, resolveu, por curiosidade, pesquisar nosso sobrenome (Nardelli) e um dos arquivos que surgiram na tela foi um documento de 22 páginas do SNI, Serviço Nacional de Informações, sobre a F4. Quando já nem pensava mais nesse assunto, surge a comprovação das nossas suspeitas.

Para ler este arquivo completo, clique aqui.

Isto, é claro, mexeu comigo, sobretudo nesse momento de intensa divisão política da sociedade brasileira e de grande expectativa sobre o que está por vir... Foi surpreendente descobrir que, depois de tanto tempo, nossos temores não eram apenas “paranoias”, tinham fundamento. E é ainda mais estarrecedor imaginar que estes arapongas, que aparentemente não tinham nada melhor para fazer, perderam tempo com um grupo de fotógrafos idealistas, que tinham como armas apenas uma vontade imensa de registrar a realidade, câmeras fotográficas e filmes rebobinados, que era o que dava para comprar na época. Provavelmente o que mais incomodava aos “patetas” de plantão do extinto SNI fosse a energia amorosa que dedicamos ao fazer fotográfico e á construção da F4.

Em tempo: os trabalhos produzidos pelos fotógrafos da F4 ganharam inúmeros prêmios e a experiência da Agência F4, que já tinha sido objeto de tese na Unicamp e na faculdade de fotografia do Senac-SP, este ano virou tese de doutorado na Sorbonne de Paris, uma das mais tradicionais universidades do mundo, pelas mãos da historiadora francesa, Jessica Blanc.

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