No dia do 81º aniversário da morte de Noel Rosa, resolvemos recordar algumas interessantes histórias do poeta da Vila. Sambista, cantor, compositor, violonista e bandolinista, Noel de Medeiros Rosa é considerado por muitos críticos e estudiosos como um dos mais importantes músicos brasileiros, com fundamental contribuição para legitimação do samba.

A primeira vista, olhando superficialmente, o que mais nos chama a atenção na imagem de Noel é a deformação em seu rosto, fruto de um parto difícil que incluiu o uso de fórceps, causando-lhe um dano irreparável à mandíbula. E apesar das tantas dolorosas cirurgias na tentativa de amenizar o estrago, todas foram malsucedidas.

“Minha viola tá chorando com razão por causa de uma marvada que roubou meu coração”

(Minha Viola – primeira composição de Noel Rosa)


A estranha aparência foi, sem dúvida, a principal responsável por tantas desilusões amorosas na vida do Poeta da Vila. Como naquele tempo não havia televisão nem internet, os cantores e compositores eram conhecidos pelo grande público apenas por suas vozes e versos, através da radiodifusão. Assim, as ouvintes apaixonadas passavam a vida com os ouvidos colados nos aparelhos de rádio a imaginar o quão belo deveria ser o seu ídolo. O problema é que quando encontravam Noel, desistiam de sua paixão e partiam seu coração. Ruim para ele, bom para nós, porque aí surgia mais um samba.

“Você que atende ao apito de uma chaminé de barro, por que não atende ao grito tão aflito da buzina do meu carro”


Apaixonado por uma bela morena que acreditava trabalhar na fábrica de tecidos Confiança, localizada na Rua Maxwell, Noel a seguia todos os dias pelas ruas de Vila Isabel no trajeto que a dona fazia para o trabalho, sempre com a ajuda dos vários amigos taxistas. Ela entrava na fábrica e Noel ficava ali parado, na entrada da fábrica, a suspirar por seu amor. A paixão lhe rendeu a bela canção Três Apitos. O problema é que, depois da música pronta, Noel descobriu que a moça não trabalhava na fábrica de tecidos. A verdade é que, para fugir da perseguição de seu admirador, a moça entrava na fábrica de tecidos, atravessava as instalações e saía pela porta dos fundos, de onde rumava para o seu trabalho em uma fábrica de botões.

Positivismo

Idealizado pelo francês Augusto Comte (1798 – 1857), o Positivismo é uma corrente filosófica muito propagada na época e que serviu de base para a Proclamação da República Brasileira. Seu lema era: o Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por fim. Ao finalizar o desenho da Bandeira Nacional, o filósofo e matemático brasileiro Raimundo Teixeira Mendes se utilizou dos conceitos de Ordem e de Progresso, deixando de fora o Amor.

No livro “Noel Rosa, uma biografia”, os jornalistas João Máximo e Carlos Didier contam que o tema também inspirou dois amigos na composição de um belo samba. Positivismo, de autoria de Noel Rosa e Orestes Barbosa, faz um paralelo entre os problemas pelos quais atravessava a economia brasileira já naquela época e o caso de um amor mal correspondido por uma mulher interesseira.

“O amor vem por princípio, a ordem por base; o progresso é que deve vir por fim

Desprezaste essa lei de Augusto Comte e foste ser feliz longe de mim”


Conta a história que Orestes Barbosa entregou a Noel quatro estrofes para que este musicasse. Ocupado com tantos outros sambas e paixões, Noel pôs o papel com a letra no bolso e se esqueceu do compromisso. Algum tempo depois, soube que Orestes andava receoso de que Noel tivesse se apossado da letra. Ressentido com o parceiro, Noel se apressou em entregar-lhe o samba pronto, mas acrescentou ao final uma estrofe em resposta à desconfiança do amigo:

“A intriga nasce de um café pequeno que se toma para ver quem vai pagar

E pra não sentir mais o seu veneno, foi que eu já resolvi me envenenar”

A faculdade de medicina

Noel chegou a iniciar os estudos para se tornar médico, seguindo a carreira de seu irmão Hélio de Medeiros Rosa. Mas abandonou o curso três anos depois convencido de que não levava jeito para a coisa. Uma das provas disso foi seu samba “Coração (Samba anatômico)”.

“Coração, grande órgão propulsor, transformador do sangue venoso em arterial

Coração, não és sentimental, mas, entretanto, dizem que és o cofre da paixão”


A composição lhe rendeu um puxão de orelha de um de seus professores que o repreendeu: “Noel, o que transforma o sangue venoso em arterial é o pulmão, e não o coração!”

A Polêmica

Sem sombra de dúvida, uma das mais interessantes histórias da música popular brasileiras foi a polêmica que envolveu o Poeta das Vila e o jovem compositor Wilson Batista. Recém-chegado da cidade de Campos, no Norte Fluminense, e encantado pela malandragem carioca, Wilson Batista compôs seu primeiro samba “Lenço no Pescoço”, sucesso na voz de Silvio Caldas. O ano era 1933.

“Meu chapéu do lado, tamanco arrastando

Lenço no pescoço, navalha no bolso

Eu passo gingando, provoco e desafio

Eu tenho orgulho em ser tão vadio

Sei que eles falam deste meu proceder

Eu vejo quem trabalha andar no miserê

Eu sou vadio porque tive inclinação

Eu me lembro, era criança, tirava samba-canção

Comigo não, eu quero ver quem tem razão”

Ao ouvir aquele samba no rádio, Noel torceu o nariz. De certo que nosso poeta não era lá muito chegado ao batente, mas também não gostava dessa malandragem. Ao contrário, usava os cabelos engomados, terno, gravata e os sapatos muito bem lustrados pela flor da papoula. Assim, Noel resolveu responder ao samba de Wilson Batista na base do verso-a-verso, e lançou “Rapaz Folgado”.

"Deixa de arrastar o teu tamanco

Pois tamanco nunca foi sandália

E tira do pescoço o lenço branco

Compra sapato e gravata

Joga fora esta navalha que te atrapalha

Com chapéu do lado deste rata

Da polícia quero que escapes

Fazendo um samba-canção

Já te dei papel e lápis

Arranja um amor e um violão

Malandro é palavra derrotista

Que só serve pra tirar

Todo o valor do sambista

Proponho ao povo civilizado

Não te chamar de malandro

E sim de rapaz folgado"

Muitos vão pensar que Wilson Batista ficou enfurecido com Noel. Pelo contrário! Empreendedor, o jovem viu ali uma oportunidade de se promover em cima daquele que já era considerado um dos maiores compositores do seu tempo. E pra colocar mais lenha na fogueira, compôs em resposta o samba “Mocinho da Vila”.

"Você que é mocinho da Vila

Fala muito em violão, barracão e outros fricotes mais

Se não quiser perder o nome

Cuide do seu microfone e deixe quem é malandro em paz

Injusto é seu comentário

Falar de malandro quem é otário

Mas malandro não se faz

Eu de lenço no pescoço

Desacato e também tenho o meu cartaz"

Dizem que Noel nem chegou a tomar conhecimento desta composição por estar completamente absorto e em êxtase pela composição de um de seus maiores sambas e, certamente, um dos mais belos da música popular brasileira: Feitiço da Vila.

"Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila ao abraçar o samba

Que faz dançar os galhos do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo

Lá, em Vila Isabel, quem é bacharel não tem medo de bamba

São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba

A vila tem um feitiço sem farofa, sem vela e sem vintém que nos faz bem

Tendo nome de princesa, transformou o samba num feitiço decente que prende a gente

O sol da Vila é triste, samba não assiste porque a gente implora

Sol, pelo amor de Deus, não vem agora que as morenas vão logo embora

Eu sei por onde passo, sei tudo o que faço, paixão não me aniquila

Mas, tenho que dizer, modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila!

A zona mais tranquila é a nossa Vila, o berço dos folgados

Não há um cadeado no portão porque na Vila não há ladrão"

E aí foi a vez de Wilson Batista responder, também na base do verso-a-verso, ao samba de Noel. Com isso, o povo foi presenteado com a pérola “Conversa Fiada”.

"É conversa fiada dizerem que o samba na Vila tem feitiço

Eu fui ver para crer e não vi nada disso

A Vila é tranquila porém eu vos digo: cuidado!

Antes de irem dormir deem duas voltas no cadeado

Eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer e conhecer o berço dos folgados

A lua essa noite demorou tanto

Assassinaram o samba, veio daí o meu pranto"

?????? Sério que ele teve essa ousadia????? Pois é. O problema é que quem brinca com fogo, pode se queimar! E Noel respondeu:

"Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!

Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz

Que sempre souberam muito bem

Que a Vila Não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo, ao som do samba dança até o arvoredo

Eu já chamei você pra ver, você não viu porque não quis

Quem é você que não sabe o que diz?

A Vila é uma cidade independente que tira samba mas não quer tirar patente

Pra que ligar a quem não sabe aonde tem o seu nariz?

Quem é você que não sabe o que diz?"

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