“Eu era feliz e não sabia!”

A frase acima, bastante usada por pessoas que até hoje glorificam o período em que o país passou por uma ditadura militar (1964/1985) virou sinônimo de saudosismo. Ora, não é de hoje que escutamos cada vez mais pessoas repetindo que “antigamente que era bom”, ou mesmo que “antes as crianças respeitavam mais os adultos e os pais”.

Problematizar acerca da dicotomia passado x futuro é algo bastante saudável, desde que a discussão venha acompanhada de uma certa dose de aprendizado e tomada como experiência para a construção de um futuro melhor, orientam os especialistas.

Em comemoração ao Dia dos Pais, o Portal de Conteúdo do Instituto Mongeral Aegon foi conversar com a psicóloga clínica Aline Gundim para tentar melhor entender as diferenças entre os pais de hoje e os pais de antigamente e ajudar a melhorar relação entre pais e filhos. Especializada em Psicologia Positiva, Aline explica que a maneira de educar mudou ao longo dos anos, bem como a configuração familiar.


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Ela recorda que, a partir da década de 1980, essas mudanças ficaram mais significativas porque muitas mães foram para o mercado de trabalho. “Antigamente, as famílias eram majoritariamente formadas por homem e mulher, onde o homem ficava com a parte de sair para trabalhar e conseguir renda para sustentar a família e a mulher trabalhava em casa cuidando do lar, dos filhos e dos animais domésticos”, comenta a psicóloga. “A ida da mulher para o mercado de trabalho gerou consequências muito significativas na educação das crianças”.

Ao contrário do que muitos apontam com certo tom de reclamação, Aline acredita não se tratar de uma questão de maior tolerância por parte dos pais, mas da demanda de trabalho dos responsáveis pela educação de crianças e jovens.

“A educação foi sendo terceirizada e aos poucos a mãe foi deixando de ser a gestora desse educar. Há crianças que ficam em creches 12 horas por dia, ou vão para escola em tempo integral. Isso por conta da demanda da carga de trabalho dos pais”, destaca Aline. Para ela, não se trata de uma questão apenas de tolerância, mas de cansaço. “Os pais chegam fadigados demais em casa e por isso acabam permitindo que os filhos façam o que quiserem. É muito difícil educar hoje em dia”, observa.

Aline esclarece que amar não significa dizer sim para tudo e que crianças e adolescentes precisam de limites impostos pelos responsáveis. “Uma boa educação necessita basicamente de respeito e afetividade. Se não houver isso, essa educação já fica prejudicada”, afirma.

Outro fator muito importante, na opinião da especialista, é que o avô ou a avó, que muitas vezes são os responsáveis pela educação da criança, já não têm mais o vigor e a disposição de impor limites. Aline acredita que a base das famílias de hoje e a educação das crianças está um pouco prejudicada pela falta de limites nas relações educativas das crianças. “Responsáveis idosos sem disposição ou novos cansados pela rotina não conseguem ter o diálogo necessário com seus filhos, e o diálogo é um instrumento fundamental em qualquer tipo de relações humanas. Se não houver diálogo, as relações ficam prejudicadas e se torna difícil melhorar a relação entre pais e filhos”, explica Aline.

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia

Acostumados a uma educação mais rigorosa, muitas pessoas acima dos 50 anos não se adaptam com muita facilidade às atuais mudanças nas relações entre pais e filhos. No entanto, a mudança é uma das constâncias do universo, algo que acontece o tempo inteiro, e a natureza está aí todos os dias para nos oferecer essa lição.

As coisas são cíclicas, elas mudam, e o ser humano é dotado dessa capacidade de se adequar. Na opinião da especialista, o que dificulta as mudanças são as resistências internas de cada indivíduo, o que pode ser trabalhado através do processo de autoconhecimento.

“A vida ensina, e quanto mais resistente a pessoa for frente às mudanças, mais sofrimento ela trará para sua vida. Tem um ditado popular que diz que a dor é uma das melhores professoras. Temos a dor e o amor. Por mais que não seja consciente, muitas pessoas acabam escolhendo o caminho da dor como aprendizado”. E destaca: “Quanto mais cedo a criança for educada sabendo lidar com as mudanças, e os adultos demonstrarem em seus comportamentos essas mudanças, mais fácil será o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes”.

Um tapinha não dói

Em vigor desde junho de 2014, a Lei da Palmada ainda é alvo de muitos argumentos positivos e negativos, principalmente por parte de indivíduos que defendem o modo tradicional de educação, alegando que castigos físicos leves ou moderados sempre foram usados como métodos de correção comportamental e nunca provocaram distúrbios nas pessoas.

Aline conta que nunca apanhou do pai e que também conhece muitas crianças que nunca apanharam. Em sua opinião, trata-se de uma questão de autocontrole dos pais e responsáveis. “Lidar com criança ou adolescente não é uma coisa fácil. Educar é uma das funções mais difíceis para nós, seres humanos. Mas se a gente quer um planeta com paz e amor, então educar sem violência seria um começo”, diz.

Educar sem violência denota dos educadores autoconhecimento e autocontrole para não cair nas jogadas e nas manipulações que as crianças fazem. Para a especialista, é preciso respeitar a criança e o adolescente, por mais que eles estejam errados e tenham cometido alguma malcriação. “O melhor caminho seria colocá-la num local específico dentro de casa e fazê-la refletir sobre as ações e as atitudes delas e as consequências, porque dessa forma estaremos educando as crianças para serem futuros cidadãos responsáveis”, defende.

Além de autoconhecimento e autocontrole, para não cair na impulsividade do “bater”, Aline pontua que o importante é trabalhar com a reflexão da questão da lei de causas e consequências. “Toda ação tem uma reação como consequência. A física já explica isso. É levar as crianças a refletirem sobre suas ações, porque as consequências sempre chegam”.

Autoridade x Autoritarismo

Construir autoridade com seus filhos é diferente de construir uma relação autoritária. A diferença básica é que a autoridade é construída com amor e respeito, e o autoritarismo é construído através do medo e de ameaças. Se o objetivo é alcançar uma boa saúde familiar, é imprescindível que as relações sejam baseadas no amor e no respeito, para então se chegar na autoridade.

Em relações onde há amor e respeito, não há agressões verbais ou psicológicas, chegando até mesmo a agressões físicas e materiais. Aline orienta que um instrumento muito eficaz para construir uma sólida relação de autoridade com os filhos é o limite. “Toda criança e adolescente necessita de limites. Um ser humano que não é construído com limites se torna autodestrutivo e destrutivo”, conclui.

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